Passei diante de uma agência do correio e vi uma fila bem grandinha. Já não devia ser para carta ou cartão postal, porque foi depois das festas. Seria pra pagar conta, pra mandar ou receber dinheiro. Vê-se que o correio está elevando o seu nível de eficiência. O brasileiro é tagarela. Fala como matraca. Mas é pouco postal, o que pode ser interpretado como índice negativo da nossa cultura. Milhões nascem, vivem e morrem sem saber o que é uma carta. Ou um selo. Até gente de bom nível social desconhece o próprio CEP. Ou nem sabe o que é isto.
Há pessoas, até doutores, que têm horror de escrever. Parecem aquele eleitor que descalçava as botas e mordia a língua na hora de voltar no “bico de pena”. No passado, temos exemplos de excelentes carteadores. Um Capistrano de Abreu. Um Mário de Andrade, que nunca deixou carta sem resposta. Dava razão ao Vieira que, na sua formosa língua, dizia que até os rochedos, por não terem voz, têm eco, para não deixar de responder aos que lhe falam. Ou lhe gritam.
Na véspera de completar 80 anos, Jorge Amado também é um exemplo. Atualíssimo, sempre pontual na sua imensa correspondência. Conversando outro dia com Hermes Rodrigues Nery, do Jornal da Tarde, contou que foi na Europa, de 1948 a 52, exilado, que aprendeu o que o brasileiro sabe pouco: responder cartas. Pouco? Pouquíssimo! Hoje o pessoal tem a desculpa do fax. Conversa. Poucos têm fax. E o fax não substitui a carta.
Com a droga que andam os telefones, é um sufoco receber uma chamada que pede retorno. E sem dizer o assunto, ó ansiedade! A gente que se vire pra contestar até telefonema interurbano ou internacional. Se não é caso de urgência urgentíssima, por que não escrever? Claro, isto não vale para os amigos do convívio rotineiro. Quem tem secretária ou telefonista empurra pras pobres coitadas essa chatice. Sujeito importante entre nós tem horror de escrever. Medo de deixar prova? Sei lá. Deve sofrer de agrafia mental. Mas o brasileiro em geral é ágrafo, quando não é analfabeto.
Em país civilizado, todo mundo tem sua hora para a correspondência. Não é grafomania. É civilidade. O leitor que me escreve, falando bem, falando mal, gostando ou não, recebe resposta, diz o exemplar Jorge Amado. É fundamental, sublinha. O leitor participa assim da criação literária. Carta de leitor é diálogo. Dá trabalho responder, ah isto dá, mas compensa. É como um termômetro que nos diz a temperatura emocional de quem nos lê.