Ao contrário do que se pensa, ou do que pensam os desavisados, a carreira de Clarice Lispector não foi uma sucessão de facilidades e vitórias. Muito pelo contrário. Já o seu livro de estreia, Perto do coração selvagem, esbarrou na incompreensão de alguns críticos. Andou de porta em porta, em busca de editor, e acabou saindo numa edição modesta, com pequena tiragem. Nem por isto deixou de ser saudado como uma revelação.
A voz nova e solitária em seguida iria encontrar obstáculos na publicação de seus outros livros. O lustre levou anos até aparecer. Clarice se encontrava no exterior, como mulher de diplomata, e os amigos aqui no Rio tentavam encontrar um editor de boa vontade. Fernando Sabino, que costuma ser invencível nessa matéria, ainda não tinha a experiência que só depois viria a ter, e fazia as vezes de agente literário da amiga, nem sempre bem-sucedido.
O nome de Clarice, prejudicado pela sua ausência, tinha aqui pequena repercussão. Por incrível que pareça, foi nos Cadernos Cultura editados por José Simeão Leal que Clarice começou a conquistar um público fiel, mas restrito, que nunca mais a abandonou. Os Cadernos eram uma publicação do Serviço de Documentação do Ministério da Educação. Com circulação fora do comércio, foi aí, com Laços de família, que Clarice consolidou o seu nome de ficcionista.
Outras vezes teve de enfrentar maus momentos, seja como colaboradora de jornais e revistas, seja como escritora em busca de editor. Álvaro Pacheco, a certa altura, deu-lhe não só acolhida, como estímulo e até sugestão para se animar a escrever algumas das histórias que vieram a estar entre as mais conhecidas de sua obra. É o caso de A hora da estrela, que virou filme.
Vejo hoje com alegria a irradiação de Clarice Lispector pelo mundo lá fora. Justíssima. Ainda agora dou uma ajudinha ao seu tradutor em Londres, Giovanni Pontiero. No Canadá, minha amiga Claire Varin é uma fervorosa devota de Clarice. Aprendeu português para lê-la no original. E descobriu a certidão de idade da escritora, que nasceu em 1920 e não em 1925, como está dito por toda parte. Se foi Clarice que mudou a data, já não faz sentido manter o erro por simples respeito a uma faceirice momentânea.