Não sei se fora do Brasil há esse lance dramático, e até lacrimejante, da troca de bebês recém-nascidos. Pode até acontecer. Nunca, porém, com a frequência com que acontece entre nós. Trata-se de um pequeno mistério brasileiro, que desafia o nosso entendimento. E quem sabe ajuda a definir o caráter nacional, pouco inclinado à organização e à disciplina.

Vamos e venhamos: não é fácil trocar dois bebês no berçário. No último episódio, as mães nada tinham em comum. As crianças por sua vez eram bem diferentes uma da outra. A não ser ter nascido no mesmo dia e, claro, na mesma maternidade, tudo mais as distinguia e as diferençava. Até a cor, já que uma era branca e a outra, negra. Os cabelos, as feições, tudo.

Quem viu na televisão há de ter ficado perplexo. É um erro intrigante. Típica brasileirada, diz um conhecido meu que viveu muitos anos fora do Brasil. São coisas que só acontecem aqui. Prova do nosso desleixo, da pouca atenção com que lidamos com o que há de mais importante no mundo ― a vida de uma criança. Desde Salomão não acontece nada parecido. Digo Salomão por causa da bíblica disputa das duas mulheres em torno de uma criança. E logo na manhã seguinte.

Aqui entre nós, em particular nos hospitais do Inamps, passam meses até que as mães desconfiem. E outros tantos meses para destrocar os bebês, com a intervenção da Justiça e as luzes da publicidade. Curioso é que cada mãe se apega ao seu falso filho. Parece dar razão à tese da doutora Badinter, para quem a maternidade é só uma questão cultural.

Ao reencontrar o filho verdadeiro, a mãe chora de alegria. Mas chora também de tristeza ao se separar do filho falso. Seria o caso de verificar se esse elo afetivo continua pela vida afora. Por outro lado, a troca sugere outras pesquisas. Por exemplo: que trauma ficará, se ficar, na criança que mamou meses na mãe errada?

Deixo isso aos psicólogos. A mim me impressiona a exuberância da maternidade de uma jovem mãe pobre e às vezes já com uma penca de filhos. O bebê é sempre bem-vindo. Preto ou branco, pode não ser filho das suas entranhas. Mas é filho pelo coração, que não discrimina. E nada tem de racista.

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