Tenho um amigo que vive a me falar do seu agnosticismo empedernido. Empedernido, digo-lhe eu, é metátese de empedrenir. Vem de pedra e lembra Pedro. Tu és pedra e sobre esta pedra, etc. Mas a pedra angular desse meu amigo é um manifesto e atento ateísmo. Quer expungir (é como diz) todo e qualquer sinal religioso da nossa história. Tem um rol de topônimos que se relacionam com o cristianismo e promete uma campanha.

Ainda agora, está convencido de que o Paiakan é um anjo. Sua mulher Irekran, uma santinha. Aliás, descobriu que caiapó significa mão de fogo, na língua aborígene. Está explicado por que Madame Paiakan fez com a mão o que fez. Se é que fez. Fez coisíssima nenhuma, vocifera o meu incréu. A culpa é de quem levou pra lá pro mato a noção de culpa. Chamei-lhe a atenção para esta sentença, que começa e termina com culpa.

Noção de pecado, corrigiu-se. Veio nas caravelas, como um rato no porão. No Éden, entrou com a serpente. Aqui no paraíso brasílico, entrou com os ratos. Nessa hora, não tem muito senso de humor o meu incréu. Olhos injetados, rugiu que é um absurdo o nome de Redenção lá na floresta. Está vendo? Redenção! Dá nisso. Outro dia me apareceu com um recorte de jornal. Indignado com o secretário nacional de Comunicações, Marchezan, que enfiou o Judas nessa trapalhada do PC.

Até parece que não pensa noutra coisa, esse soldado do ateísmo. Foi o que eu lhe disse. Assim todos os crentes tivessem a mesma preocupação. Ateu, meu amigo só pensa em Deus. E se dedica a combater a religião. Qualquer uma. Todas. Em particular o cristianismo. A culpa judaico-cristã, essas coisas. Assim que se retirou refleti no que disse o Marchezan. Lá no Sul, sua terra, acham que é heresia invocar o traidor.

No filme do Scorsese, Judas tem um papel onipresente. Um exagero. Mais do que na traição, Judas no caso agora me sugere é a paixão argentária. Há quem sustente que Iscariote quer dizer hipócrita. O hipócrita era o caixa. O tesoureiro. Avarento, não dava bola pra doutrina. Roubava. Traiu por 30 dinheiros. Dante o põe na boca de Satã, no Inferno. E, todavia, Judas devolveu o dinheiro. Desesperado, suicidou-se de remorso. Vou perguntar ao meu amigo se aqui também a culpa é da culpa.

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