Sensação de mal-estar, essa que me acompanha. Aonde vou, vai comigo. Apenas uma unha quebrada, coisa tão mesquinha. E, no entanto, me impede o livre movimento. A secreta causa desse desconfortável estar em mim. Então não é físico. Se é psíquico, emocional, a origem se esconde. Aura de ansiedade, o próprio ar pesa, ou escasseia. Psicossomático, há de ver que é uma interação. Fujo de sua consciência, tento esquecer.

Mas em vão. É um pesadelo. Durmo e acordo logo depois. Assustado, a vigília não me acalma. Não estava no sono o sonho mau. Então é verdade? É tudo verdade? Depois de tantas decepções, depois de tudo que vi, que vivi. Trinta anos sem eleição, em nome da ordem ameaçada. Em nome da guerra à corrupção. Há quantos anos, meu Deus, essa mesma lengalenga. E ter de suportar a exceção que se eterniza, que constrange. Nem dá pra pensar noutra coisa.

Inflação, recessão, estagnação, estagflação — ai Brasilzão que não toma jeito! Ou é assim mesmo o seu jeitão. É ir levando, um dia Deus se apieda de nós. E então verde será o verde de nossas matas. E será azul o azul de nosso céu. Sob o signo do Cruzeiro do Sul, seremos aquela pátria. Não a sonhada, nem precisa. A pátria de que o cidadão se orgulha. Ou só isto: de que não se envergonha. Que, adulta, fique entregue a si mesma. Sem trauma nem tragédia.

Mas assim, tenham a santa paciência, assim não dá. É demais. Não vale a pena tentar dormir de novo. Sentado na cama no meio da noite, daqui a pouco o dia vai nascer. O sol espanca as trevas, mas o pesadelo continua. Até se agrava. Está nos jornais. Está na conversa de todo mundo. Está no silêncio, nessa dolorosa expectativa. Na rua passa o lixeiro. Também ele perplexo. Não cabe no seu caminhão tanto lixo.

O mais simples cidadão está dividido. Dilacerado. Quer olhar a autoridade com um mínimo de respeito. Boa-fé. Temor reverencial. Mas um mesmo personagem interpreta dois papéis que se contradizem. O palácio e a sarjeta. A água filtrada se mistura à água do esgoto. A vaza imunda vai de fora para dentro. O mais crédulo dos brasileiros se pergunta se dá para absorver tamanha dose de mentira. O cínico minueto do faz-de-conta embrulha o estômago. De dia e de noite, até quando vai esse pesadelo esquizofrênico?

otto-lara-resende
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