A visita de Nelson Mandela, mártir da boa causa, reabre a questão do racismo. Seria o caso de esperar que a esta altura já não houvesse controvérsia, mas há, e acalorada. Até entre os negros, unânimes quando se trata de condenar a discriminação, são distintas e até conflitantes as atitudes e as maneiras de pensar. Pelo relevo que os direitos humanos assumiram no mundo, em particular com o caso dos Estados Unidos e da própria África do Sul, ficou impossível tapar no Brasil o sol com a peneira.

Ninguém de fato pode negar a existência aqui do racismo camuflado. Assume formas sutis, ou grosseiras, e não ousa dizer o seu nome. É mais um clandestino a bordo da pátria idealizada da “raça cósmica” e da convivência fraterna inter-racial, ou supra-racial. Os exemplos clamam aos céus e nem se escondem mais nas estatísticas oficiais. Já não se pode dizer que o negro no Brasil conhece o seu lugar, que até outro dia, há um século, era na senzala.

Hoje é quase sempre na favela, ou na periferia das cidades, quando tem sorte. Se não tem sorte, o seu lugar é no presídio, ou no xilindró das delegacias infectas, até que venha, se vier, a lei com que sonha o Amaral Netto. Muita gente se esquece de que até no futebol, em que Pelé é rei universal, o racismo impôs anos a fio o seu império. Leiam o livro do Mário Filho, quando o “violento esporte bretão” era esporte de gente fina, isto é, de branco.

Gilberto Freyre idealizou, sim, a desejável convivência. Mas nem por isto foi revogado tudo que disse, a começar pela falta de autoridade moral de um povo que literalmente comeu os índios e digamos incorporou ao seu sangue, em mil matizes, o sangue negro. As duas formas de canibalismo são aqui muito mais acentuadas, sem comparação, do que nos Estados Unidos dos WASP. Apartheid oficial, como na África do Sul, aqui também não há, mas a “boa aparência” em princípio é disfarce de pele branca. Ou quase.

Quanto à entrada de serviço, quase concordo com o Ibrahim Sued: Veja exagerou. O expediente tem servido, sim, ao racismo camuflado. Mas serviço, tenham paciência, não é privativo do Brasil. Se um piano entra na minha casa pela janela e não pela porta social, não vão dizer que discrimino os pianos. Errado e ilegal é proibir as domésticas de tomar o elevador social.

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