A freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral del Rei está situada em campos amenos, na extensa planície de uma serra onde manam imensas fontes de cristalinas e saborosas águas. A atmosfera é salutar. O clima da região é temperado. Está circundada de pedras e outros materiais de que se podem fazer soberbos edifícios. A natureza criou este lugar para uma famosa e linda cidade. Abra aspas lá em cima e feche-as, por favor.
Isto é um trecho de uma carta do padre Francisco de Paula Arantes, escrita em 1829. Foi citado pela Mônica de Azevedo Meyer, que coordenou em Belo Horizonte o recente 5° Seminário Nacional sobre Universidade e Meio Ambiente. Pois veja só: nesse pedaço do paraíso, em 1897, era instalada a capital de Minas. Na virada do século, em 1900, a aprazível cidade tinha 13.472 habitantes. 55.563, em 1920. Só em 1940 iria chegar aos 200 mil. Sem nenhum medo de ser feliz.
Agora você imagine o susto do pobre do padre Arantes, se desembarcasse hoje naquele sítio. Bom profeta até que ele foi. Mas não podia imaginar que o bicho homem fosse capaz de degradar uma cidade até o ponto a que chegou “Triste Horizonte”. Sim, é o nome do poema do Carlos Drummond de Andrade. A BH dele era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas. Um remanso muito manso, que nada tinha a ver com a brutal BH de hoje.
Os parnasianos, Bilac à frente, chamavam BH de cidade-jardim. Em 1924, no seu famoso “Noturno”, Mário de Andrade cantava os poros abertos da cidade, que aspiravam com delícia o ar da terra elevada. Posso dizer que ainda era assim a BH do meu tempo. Bando peripatético de jovens, fruíamos, inocentes, ou não tanto, a alegria da noite e a ausência de males na jovialidade infantil do friozinho.
Outro dia eu estava em Los Angeles e vi o que foi o pavoroso quebra-quebra. Todo mundo começou na mesma hora a discutir o que fazer. Que fizemos de nossa cidade? Perguntavam-se, perplexos, mil e um scholars. Muito mais do que lá, é o caso também de repetirmos nós a indagação. Aqui juntamos à miséria um monte de horrores. A urbs inviável. Monstruoso ajuntamento, úlceras à mostra. No Rio até o mar, incansável lavadeira, está poluído. E dizer que BH não tem nem um século! É uma menina violentada, coitadinha.