Estou a pique de formular uma lei sobre um fenômeno que venho observando. O seguinte: há um tipo de acontecimento que nunca vem sozinho. Quando vem um, vem outro. No mínimo, de parelha. Quando não vêm aos bandos, como certas aves. É como diz o povo: além de queda, coice. Trata-se quase sempre de coisa funesta, mas não é obrigatório. Pode ser acontecimento propício e até afortunado. Este caso é mais raro, mas acontece com quem nasceu empelicado.
Vejam isto, por exemplo. No Rio e em Petrópolis convivo com dois cães que são dois amores. Adoram as damas e as crianças. Ambos pastores alemães. O Pluft, mais velho, é o da serra. Como o fantasminha da Maria Clara Machado, pode meter medo a quem não sabe que é de boa paz. Late grosso, mas só para o céu, quando troveja. Não há jeito de ele entender o mistério do trovão. Tão inteligente, uma flor, mas é assim. Adora o pessoal da casa, segundo uma hierarquia justíssima.
Digo isto porque sou insuspeito. Não estou entre os seus favoritos. Outro dia, entrou um cavalo no jardim e o Pluft, cioso da propriedade privada, decidiu expulsá-lo à força de ladraduras e rosnadelas mais estrondosas que o trovão. Resultado: levou um coice e foi parar no hospital, de perna quebrada. Enquanto isto, o outro pastor, o Porthos, ganhava uma medalha numa exposição. Medalha merecidíssima, disse a sua dona, que o define assim: um santinho. Bonito por dentro e por fora, com pedigree racial e moral.
Tão avantajado de corpo e de coração quanto o Porthos do Alexandre Dumas, o nosso Porthos nada tinha de acanhado mentalmente. Vivíssimo, podia acompanhar com vantagem as aventuras do Athos e do Aramis. Vejam lá porque o verbo está no passado. No dia seguinte à medalha e ao diploma, apareceu meio macambúzio. Talvez tenha tomado conhecimento da reunião do tal Conselho da República. Mais um pouco e esticou as canelas. Cavalheiro de fino trato, morreu escondido e caladinho.
A menina, claro, chorou muito e o enterrou no quintal. Depois escreveu e desenhou um jornal, a que chamou Folha de S. Paulo, assim mesmo, para dar a triste notícia. Desgraça para ela tem de sair no jornal. Terrível foi o dia seguinte. Era o seu aniversário. Idade da razão: sete anos. Divididíssima, ela conseguiu dois registros de voz. Um para falar do Porthos. O outro para falar da festa e do bolo com chocolate. E dos presentes! Lágrimas e risos têm mais sabor quando se misturam. Mas isto é outra lei.