Era daltônico e não sabia. Chegou assim à idade adulta, sem se queixar das cores que não via. A partir do momento em que tomou ciência de que o azul, azul-celeste, lhe estava interditado, aí, sim, sentiu-se vítima. O destino o tinha fraudado. Furtou-lhe o democrático direito ao azul. Logo ele, que tinha pegado a mania de, otimista, a três por dois dizer tudo azul. E aos seus olhos, o azul não era honestamente azul. Era verde.

Já esse outro amigo confunde tons de verde e amarelo. No entanto, é um patriota do papo amarelo. Cheio de verde esperança. No trânsito, identifica o vermelho. Depois de duas ou três batidas, aprendeu a se orientar com um único sinal visível. Tinha um sonho. Ser aviador. No exame médico, ó decepção. Descobriram-lhe a deficiência daltônica. Assim que tomou conhecimento de que não via o vermelho, ficou desatinado. Mas logo se habituou.

O que ele não sabia é que o próprio Dalton, John Dalton, também era cego para o vermelho. Físico, pesquisador, foi por aí que chegou ao diagnóstico e à deficiência que hoje tem o seu nome. O daltonismo. A descoberta se deu na primeira metade do século 19. Antes de Dalton, não havia daltônicos. O arco-íris estava completo para todos. Não ver uma ou duas cores passava em branca nuvem. Dalton abriu os olhos dos oftalmologistas. Batizou a acromatopsia.

Ou melhor, a discromopsia, que é não diferençar o verde do vermelho. É o mais comum. Um cidadão nasce, vive e morre sem jamais ter consciência do vermelho. Sem enxergá-lo. Li há tempos um estudo sobre o efeito psicológico que daí resulta. Como fica a Chapeuzinho Vermelho? Dos lábios ao céu, do sangue ao fogo, pense, é uma senhora perda. Hoje se sabe que há na natureza 1 milhão e 200 mil cores. Cores e matizes. Sim, senhor. É cor que não acaba mais.

Se o olho humano distingue todas, lá isto é outra história. Daltônico de nascença, ou pior, é o cão. Aos seus olhos, o mundo é preto e branco. Nem por isto deixa de ser um animal alegre e amigo. No reino humano, o daltonismo pode ser psicológico. É uma defesa, tipo cego que não quer ver. Tudo negro e o cara vê tudo azul. Grita pelo verde e amarelo e surge o luto. O pior negrume. Até o cego do apólogo do Antônio de Alcântara Machado exigiria a luz. A luz do impeachment, claro.

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