Levantei-me outro dia como um só homem, tomei coragem e decidi enfrentar o desafio. Quando dei por mim, estava na porta do teatro Gláucio Gil. Comprei o ingresso e fui me sentar na fila “F”. Excelente lugar. Deve ter sido uma deferência especial. Como cheguei cedo, tive tempo para ver, ler e ouvir uma parte do que se juntou sobre o autor e a peça, na exposição que está no hall. Num instante me vi transportado a outros tempos.

O mergulho no passado acentuou o tumulto na minha cabeça. E as emoções, cujo galope é preciso conter. Quando vi na tela um sujeito parecidíssimo comigo, tive vontade de sair correndo. A minha cara. Mais gordo e com mais cabelo. E falava, falava, falava. Bons tempos de fluência e improvisação. Até onde ouvi, até onde suportei me ver, o assunto era o Nelson Rodrigues. Em seguida, o próprio Nelson apareceu, tal e qual.

Não entendo como é que se pode não gostar de teatro. A magia está também na plateia. A sala estava cheia. O Nelson havia de gostar. Ou talvez não. Ele preferia provocar o público. Agredi-lo. Fazia questão de dizer que o seu teatro era desagradável. Lá estava no palco o universo rodriguiano. Se um grande artista é o que é capaz de criar o seu universo personalíssimo, ninguém ganha do Nelson.

O grotesco e o abjeto, o trágico e o engraçado, o pobre diabo que de repente explode num rasgo de grandeza. O canalha com a nostalgia da virtude. Mas quem deve falar sobre isto é o Sábato Magaldi, que está de volta da França, onde foi ensinar Nelson Rodrigues. O Sábato é doutor na matéria. Como simples espectador atravessado pelas emoções e pelas reminiscências, ouso dizer que o Nelson gostaria, sim, de se ver ali, dirigido pelo Eduardo Wotzik.

Numa nova perspectiva, reinterpretado, o Nelson vai crescendo a cada dia que passa. O elenco se sai à altura. Só uma coisa. Não é nada contra o Heleno Prestes, que aliás assumia o papel naquela noite. Quem viu o Fregolente encarnando o dr. Werneck é como quem viu o Nijinski dançar. Nunca mais o esquece: “O brasileiro é cínico pra burro”. Ah, sim, a peça: “Bonitinha, mas ordinária”. E eu saí como se tivessem me pregado um rabo de papel...

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