Tanto vidente neste mundo, tanto astrólogo, tanto tarólogo, pitonisas às pampas, e ninguém me contou que a URSS ia acabar, como acaba uma peça de teatro. Ou um filme. Adivinhos e arúspices aos montes, profetas e futurólogos, e nenhum Herman Kahn me cochichou que eu ia ver cair o muro de Berlim. Várias vezes eu li e, ai de mim, acreditei que a terceira guerra ia começar na Alemanha dividida. E olhe que sou pacifista amador, como Mário de Andrade. Se tivesse a minha tendinha de haríolo, mesmo a preços módicos, já tinha feito a minha trouxa e ia me esconder no deserto. Ia fazer penitência. Quebrava antes a minha bola de cristal, por mais límpida que fosse. E deitava fora o turbante, enquanto rasgava o baralho, carta por carta. Então o mundo dá essa virada e ninguém pressente no ar? É humilhação demais para quem vive do esotérico. Seu pensionista.

Depois do rugido nuclear, do Sputnik e da assombração comunista, aí está a URSS, perdão, a ex-URSS, de novo bramindo a sua borrasca. Aquele imenso paisão, a superpotência que rachou o mundo em duas partes, bipolarmente, maniqueisticamente, agora corre o risco de se desagregar. Foi só se mexer o titã soviético e as costuras estalam de todo lado. Vem aí o kaos com “k”. De deixar no chinelo o nosso caosinho doméstico. Pior do que arrebentar um dique e desabar sobre nós a fúria cega das águas.

E águas sujas, que no fundo da alma russa buscaram a força vulcânica que pode ser fatal para o destino da humanidade. Aí está outra vez o apocalipse. Até parece um pai severíssimo, mas de coração de manteiga. Ameaça, ameaça, mas não castiga. Assim seja. Onde estavam os videntes? Ou são exímios passadólogos? Adivinham o passado com minúcia, mas nem uma palavra sobre Gorbatchev. O dia de amanhã fica por nossa conta. A gente que reze para que o Tajiquistão se entenda com o Uzbequistão. E a Armênia com a Quirguízia.

Despedaçado, o antigo império ameaça a Europa e o mundo com um abalo sísmico de uma cordilheira que se ergue e se sacode como um cão molhado. E hidrófobo. Um novo espectro ronda a Europa. Será o caso de nos enfiar debaixo da cama? Hiperinflação, fome, baderna. E no inverno abaixo de zero, santo Deus! Será que aqui já estão pensando num AI-6?

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