Digamos que você ouça da boca de um americano ou de um alemão o seguinte: “O Brasil sempre foi o retrato de um gigante abobalhado”. Ou que você leia isso no texto de um desses “brazilianists” que estudam o Brasil de longe e se esforçam por entendê-lo. O Brasil entra aí como uma peça de laboratório, que desafia o pesquisador e o intérprete. O cientista social, no caso um estrangeiro, olha o Brasil como um entomólogo olha um inseto.
Nessa operação de laboratório, há muito mérito. Deus me livre de desmerecê-la. Mas há pouca vida. Ou nenhuma vida. Disseca-se é cadáver. Por uma associação de ideias, que é a estrada real da memória, estou me lembrando de uma velha anedota escolar. O professor de ciências naturais exibiu ao aluno um besouro e lhe pediu a classificação. É um coleóptero, disse firme o aluno. O professor, como se sabe, nunca está satisfeito (nem com os salários, nem com as respostas).
Por que é um coleóptero? Enquanto o aluno mergulhava nos arcanos de sua ignorância, o besouro começou a andar, doido também para se livrar do exame. Oral, ainda por cima. Foi aí que o aluno teve uma iluminação: “Professor, olhe só o jeitão dele”. Nenhuma dúvida: era o jeitão de um coleóptero. Ninguém o confundiria com um lepidóptero, ou com um díptero. Estava na cara e na carapaça, nas asas recolhidas, no andar ao mesmo tempo sonso e aflito que era um coleóptero. Bastava olhar o seu jeitão.
Releia a frase lá no começo. Sabe de quem é? Do Severo Gomes, no discurso com que se despediu do Senado, a 13 de dezembro do ano passado. Pronunciada no Senado da República, pela boca de um pai da pátria, a frase soa diferente. O Severo pode ter ideias discutíveis e até erradas. Mas é um homem culto e um patriota. Tenho certeza de que deseja o melhor para o Brasil.
Estou dizendo isso porque ontem almocei com três amigos. Comigo éramos quatro brasileiros cansados de torcer pelo Brasil. A gente só não tem um calo na alma porque não aceita ser indiferente. Com a quilometragem que tenho hoje, compreendo esse misto de amor e raiva com que falamos do Brasil. O jeitão dele é esse mesmo. Escusa explicar por que é um coleóptero. Ou um gigante. Abobalhado? Ou deitado em berço esplêndido. Tanto faz.