Por enquanto, não se tem certeza de nada. O homem diz isto com a cara mais limpa do mundo. Mal o dia amanheceu, já lá está ele na televisão. Sempre solícito, é uma alma governista. Não importa o que é ou o que faz o poder. Nasceu assim. Bebezinho, ao seio materno já preferia as tetas do erário. Seu berço foi o palácio. A babá o levava a passear pelos jardins num carrinho de placa oficial. Nasceu chapa branca.

É mais do que uma vocação. É um destino. A simples hipótese de que pode ficar longe do sol do poder lhe dá brotoejas na alma. Sai cedinho de casa e nenhum esforço o cansa, nessa faina de lisonjear. O temor reverencial lhe dobra a espinha curvilínea. Percebe-se que ele está ficando com aquele ar do Gogó da Ema. Quem se lembra sabe como é. São voltas que, até com ele imóvel, fazem mesuras e salamaleques, zumbaias e rapapés.

Não lhe conheço os antecedentes. Nem os ancestrais. Mas só pode vir de uma linhagem de fâmulos e cortesãos. Sempre alerta, não perde uma só oportunidade. Onde há lugar para a bajulação, aí está ele, firme. E chega cedo pra pegar lugar na frente. Ainda agora está na televisão. Há poucas horas, onde é que o vi? Ah, sim, também na televisão. Foi a última voz da noite, já de madrugada, na beata defesa do governo. E é a primeira voz a cantar loas ao poder. O garnisé do puxa-saquismo.

Mistura fórmulas jurídicas às blandícias que ninguém conhece melhor do que ele. Tem boca de foro, quando é preciso. A ânsia de defender o poder não lhe deixa espaço para atacar quem quer que seja. Panfletário a favor, até que gostaria de lançar umas farpas contra essa gente que não respeita os poderes constituídos. Mas não perde o tempo que é pouco para as punhaladas de mel que desfecha no governo.

Contestado, limita-se a repetir que não se tem certeza de nada. E cai na armadilha de Epimênides. Se ninguém tem certeza de nada, então o seu axioma também não é certo. Mas enquanto estiver aí o poder, ele não cogita de Epimênides. Nem de axiomas que não sejam os oficiais. Amanhã, se o governo muda, com essa mesma carinha lambida, virá dizer amém a quem estiver mandando. Para sempre, amém.

otto-lara-resende
x
- +