Mauricinho usa cabelo tipo reco. O cabelo da patricinha é comprido e bem cuidado. O tênis, importado. Sapatos herdados do pai ou do avô, calça de costureira, óculos de aro preto e cabelo de corte personalizado. É o tipo moderno. Camisa xadrez amassada, olhos apavorados diante das gatas, calça caída, jeito desengonçado. E o tipo nerd. Completo, o nerd leva debaixo do braço livros de títulos complicados. É a velha, desculpem, cultura de sovaco. Exibicionista.

Aprendi isto no Fuvest 93. Se eu não fosse curioso, estava pastando por aí. Ou pior, já teria morrido, incompetente pra encontrar capim. Cada coisinha que aprendo amplia o horizonte da minha ignorância. Sei agora o que é nerd, mas desconheço a origem da palavra. No meu tempo de faculdade, não havia essa nomenclatura. Não fui colega, mas fui amigo de um nerd que deu sorte na vida. Tinha talento, sim. Estudou direito na Bahia e veio colar grau no Rio.

Seu nome: Genolino Amado. Irmão do Gilberto, primo do Jorge. Na Bahia, pegou uma turma de ases. Hermes Lima, Anísio Teixeira. Formado, Genolino foi advogar aí em São Paulo. O jornal logo o agarrou. E o rádio. Na Rádio Mayrink Veiga, aqui no Rio, todo dia o César Ladeira botava no ar uma crônica sua, dita da Cidade Maravilhosa. Foi o mote que sugeriu a marcha do André Filho, que virou hino do Estado da Guanabara. E até hoje se ouve pelo mundo todo.

Morto em 1989, Genolino escreveu também livros de memórias. Na faculdade baiana, ia à aula com o Caim, do Lord Byron. Emprestou na Biblioteca Pública. Dois volumes, um com a tradução castelhana. Nerd avant la lettre, ele divulgava entre os colegas o original inglês. Era “O homem que sabia javanês”, do Lima Barreto. Inglês não era como hoje língua corrente, quase oficial. A três por dois, esgrimia o Byron. Aprendia em casa no castelhano e dava aos ignaros boquiabertos o texto em português.

Rola o tempo, o Anísio Teixeira vai estudar nos Estados Unidos. Vem de lá decidido a reformar nossa educação. Assume a Diretoria do Ensino no Rio. E aqui na rua dá de cara com o Genolino. Quer ser professor? Pergunta à queima-roupa, resposta na bucha. Surpresa na hora da posse. Professor de inglês! Na Escola Amaro Cavalcanti, de meninas. Anísio se lembrou do nerd sovacal. Mil apertos, Genolino veio a ser um bom tradutor. E o inglês mudou o seu destino, vejam só.

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