18 jul 1991

O outro lado do Rio (e da baía da Guanabara)

Certa vez Antônio Callado lamentou que, como escritor do Rio, lhe falta na infância uma província. O curioso é que Callado não é carioca, apesar de sua identificação pessoal e literária com o Rio. Nasceu em Niterói. Mas Niterói sofre do mal da proximidade. Está tão perto do Rio que todos nos acostumamos a considerá-la uma parte do Rio. Como se fosse um bairro, um trecho desta cidade que, por mais que façam, ninguém consegue tornar menos maravilhosa.

Situada na margem direita da baía da Guanabara, Niterói pode ser vista a olho nu, quando o dia está limpo. É mais uma praia, Icaraí ou Itaipu, mais um cartão-postal desta paisagem prodigiosa, que embasbaca qualquer visitante, desde que aqui chegou, em 1503, o primeiro turista. Ou o primeiro aventureiro. Razões políticas e outras fizeram do Rio e de Niterói duas cidades, o que é bom para a administração de uma e outra.

Na verdade, porém, constituem um conjunto, de que faz parte o rosário de luzes e de belezas naturais que é a Guanabara. A ligação, por terra, mar ou ar, era fatal. E Machado de Assis anteviu a ponte, que até por isto podia ter-se lembrado de homenagear o maior escritor brasileiro. E fluminense, palavra que no seu tempo designava também o carioca e não apenas o cidadão do estado do Rio.

Ficou mais fácil com a ponte ir a Niterói, o que quer dizer que agora é que se vai pouco mesmo... Nos anos 40, lá fui uma vez com o Vinicius, à casa do Caloca, no Morro do Cavalão. Nos Poemas, sonetos e baladas, que é de 1946, figura a “Balada do Cavalão”: “A tarde morre bem tarde/No morro do Cavalão/Tem um poder de sossego/Dentro do meu coração/Quanto sangue derramado”!

A casa, uma beleza, era projeto e propriedade do arquiteto Carlos Leão, casado com Ruth, irmpoeã de Tati, mãe de Suzana e de Pedro, filhos de Vinicius de Moraes. Com o mesmo Vinicius e com Rodrigo M. F. de Andrade tive o privilégio de visitar a tombada igreja de São Francisco Xavier, no Saco de São Francisco. Hoje parece um sonho. Mas sonho mesmo Niterói há de ser para Oscar Niemeyer.

Oscar nasceu no Rio, nas Laranjeiras, mas tem fundas raízes no estado do Rio e em Niterói. Seu avô Ribeiro de Almeida, como hoje o Callado, tinha casa em Maricá. Descendente de ancestrais portugueses, Oscar tem também sangue alemão de Hanover. Daí o nome Niemeyer, que está na avenida graças ao seu tio Carlos Conrado Niemeyer. A crer, porém, no genealogista Galdino Duprat, Oscar, fundador de cidades, Brasília inclusive, tem entre os avós remotos ninguém menos do que o cacique Araribóia. Ou seja: o índio que em 1573 fundou Niterói! Está aqui um traço que fortalece a amizade de Oscar com Darcy Ribeiro, que por sinal também tem casa em Maricá. Aliás, Callado também, autor do Quarup, tem mania de índio...

O primeiro escritório do jovem arquiteto Oscar Niemeyer foi dividido com Carlos Leão, o Caloca, e com Lúcio Costa. A esses dois amigos, diz ele, que deve a sua condição de arquiteto, graças ao convívio diário que com eles manteve. Tudo que Oscar faz e projeta é feito com amor. Daí o seu gênio harmonioso dar sempre à sua obra um toque de original leveza. A arquitetura de Niemeyer está plantada na terra, mas levita.

Posso imaginar o que será esse Museu de Arte Contemporânea de Niterói. O próprio Oscar imaginou-o como um pássaro branco a se lançar sobre o céu e o mar. Qualquer coisa solta na paisagem, o que quer dizer supremo respeito à paisagem, para enriquecê-la. Enriquecer a paisagem: a proeza seria impraticável, se não fosse obra de Oscar Niemeyer. Entre tantas, aqui está mais uma razão para em breve irmos todos a Niterói, pela ponte ou não. Ou até a nado, para quem gosta.

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