RIO DE JANEIRO – Outro dia a Rachel, sobrinha do Rubem Braga, tinha de fazer um retrato do Carlos Drummond de Andrade. Desenhista, lhe pediram que retratasse o poeta quando jovem. O trabalho ia indo quando ela empacou numa dúvida. De que cor eram os olhos de Carlos? Imediatamente telefonou à sua tia Yeda. Yeda pensou, pensou e mergulhou em profunda perplexidade. Como a resposta era urgente, ela telefonou para o Moacir.

Ouvida a pergunta, o Moacir por sua vez entrou numa dúvida hamletiana. Conheceu o Carlos Drummond de Andrade anos a fio. Conviveu com ele. E essa agora? Pediu um tempinho para se lembrar, como se cor dos olhos fosse coisa de se lembrar com o tempo. Habituado à pesquisa enciclopédica, o Moacir foi às fontes, isto é, aos livros. Nenhum texto compulsado fazia referência aos olhos do poeta. Como é falha a nossa bibliografia!

Lembrou-se do João e de seus arquivos implacáveis. Ele na certa devia ter arquivada a cor dos olhos do poeta, com as irisações e os revérberos segundo a hora e a luz do dia. Mas o João não estava. Ligou então para o Antônio. Vago, mergulhado na história que está escrevendo, o Antônio só faltou perguntar quem era esse tal de Carlos Drummond de Andrade. Em matéria de olhos, tinha lido recentemente um estudo sobre a visão de Joyce. A Yeda esperando e a Rachel aflita, os telefonemas andaram ceca e meca. 

Até que a chamada deu aqui em casa. Azuis. Claro que eram azuis. Respondi na bucha. Me lembro muito bem. Várias vezes brinquei com o Carlos sobre a cor dos seus olhos. Dizia-lhe que, velho, fazia sucesso com as meninas por causa dos seus olhinhos. Aliás, sua filha Maria Julieta também tinha olhos azuis. Celestialmente azuis. O Moacir foi procurar e achou o retrato do poeta feito pelo Portinari, em 1936. Podia ser defeito da reprodução, mas não pareciam azuis. Gateados, talvez, com um pálido fio amarelo. Quem sabe verdes. Claros, em suma.

Azuis, insisti. Dias antes, na fila do banco, alguém me mostrou o retrato do poeta na nota de 50 cruzeiros e me perguntou se eu o achava fiel. Primeiro, a nota não vale nada. Não compra nem um pãozinho. Um escárnio. Mas o retrato é bem feito. E me intriga. O poeta aparece ali muito triste. Ele tinha, sim, os olhos azulmente tristes. Mas há no retrato um ríctus que me desagrada. A cédula traz um verso que se refere ao “secreto semblante da verdade”. Secreto? Secretíssimo, a começar pelos olhos.

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