Fico sempre desconfiado quando ouço essa conversa de que o Brasil precisa ser salvo. A ideia de salvação implica um salvador. Quem como eu já viu coisas neste mundo de Deus, em particular no Brasil, sabe o que é um salvador da pátria. É no mínimo um paranoico que se investe de uma missão que ninguém lhe deu. E às vezes consegue engazopar o povo e até recebe um mandato. Para quem não sabe, Hitler ganhou o plebiscito. E na Alemanha.

Em matéria de carisma, palavra perigosa na sua acepção política, o melhor é acreditar no do povão mesmo, democraticamente organizado. Pois então o povo não pode ter carisma? Pode, sim, se o carisma se confunde com o próprio instinto de sobrevivência de uma nação. Melhor do que esperar pelos iluminados, uns impostores, é confiar na intuição do povo, no dom de uma sabedoria que não lhe falta nas horas difíceis. Isto é que é cidadania. E república.

Em carta a Joaquim Nabuco, Rio Branco, o famoso barão que modelou a nossa política externa, já dizia esta cristalina verdade: “O nosso povo é muito melhor do que os homens das classes dirigentes”. Vejam bem: Rio Branco, um brasonado, filho de quem era, para um Nabuco, filho do estadista do Império. Gente da melhor cepa, que entendia do que falava. De lá para cá, as classes dirigentes melhoraram ou pioraram?

Sejamos otimistas, que diabo, e digamos que melhoraram. O Brasil não anda como caranguejo. Nem cresce como rabo de cavalo. Abrindo a sua exposição em Belo Horizonte, disse agora o Amilcar de Castro: “O povo brasileiro é muito bom, mas o político é de uma mediocridade exemplar. É um país muito triste o que estamos vendo”. Amilcar foi aluno da primeira escola ecológica do Brasil. Escola de belas artes, a do Guignard dos anos 40, no Parque Municipal lá da capital de Minas. Imaginem: era o tempo da guerra e do Estado Novo.

Dessa simpática escolinha também saiu a Marília Giannetti Torres, que está com uma retrospectiva no Museu Nacional de Belas Artes, aqui no Rio. Conferi o horário no jornal e lá fui ao encontro da arte da Marília. “Não abre sábado”, me disse o guarda que trazia pela coleira uma cadela doberman, aquela ferocíssima raça nazista. Só havia guardas no Museu e na Escola de Belas Artes. Voltei para casa, pensando no que também disse o Amilcar: “Há uma mediocridade exuberante nos dirigentes do país”. No lugar de arte, um cão que rosna. Credo.

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