É grave, mas ainda não é o Apocalipse. O mundo não vai acabar. O sol nasceu hoje, como ontem. E tudo indica que nascerá amanhã. É pena que a crise sobrevenha num quadro de sucessivas frustrações. Mas é assim mesmo. A crise obedece a um processo. Não é um raio no céu azul. Cansa um pouco verificar que o processo vem de longe. Nem data apenas do começo deste governo. Eleito depois de 30 anos, a gente fica sem graça de não estar dando certo.

Durante o longo período do arbítrio, a imprensa coagida, a democracia era a luz no fim do túnel. De repente, acabou o túnel e cadê a luz? Quem já tem uma certa quilometragem de Brasil encontra reservas para esperar com paciência. E até confiar, por incrível que pareça. Olhando pra trás, tem lógica. Da primeira eleição depois da guerra, em 1945, até hoje, é quase meio século. Já naquele tempo o dia de amanhã era um sonho ao alcance da mão. Testemunho e dou fé.

Mas não era, como hoje não é, uma dádiva que cai do céu. Um dia se enfia no outro e vai tudo de cambulho, misturado. Essa impressão de que o espetáculo se repete igualzinho, sem tirar nem pôr, não é verdadeira. Ou é e não é. Fala-se em 1954. Mas o símile não é igual. Também em 1961, com aquele remendo parlamentarista. Uma boa lição, que convém lembrar para não repetir. Mas convenhamos que o Brasil não é só o poder. Há vida fora de Brasília.

Vi pela televisão que os acontecimentos não tinham tomado o freio nos dentes e saí cedo para uma volta pelo bairro. O pessoal por aqui disfarça bem. Passei por bebês e babás, todos tranquilos e confiantes. Deitado em berço esplêndido, um bebê até me sorriu. Desfez-se a crispação da crise que vincava o meu rosto. Na escola pública, a meninada fazia uma algazarra dos diabos. Só não comprei no jornaleiro uma revista de quadrinhos porque fiquei encabulado.

Entrei em casa pensando naquele velho jornalista que se cansou de observar o Brasil. Não sou escapista, nem consigo a bênção da bem-aventurada alienação. Mas decidi começar a leitura dos jornais pelo noticiário internacional. Andei lendo como vai o mundo e, sinceramente, entrei no Brasil mais animado. A vida é forte. Ontem, hoje, amanhã ― luz e sombra se misturam. Todo dia é uma conquista. É isto que dá sabor à aventura de viver. E vale a pena.

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