Saí da cochilada para aquele inferno bem na minha cara. Medonhas labaredas, fumo negro aos rolos. Por um mínimo lapso, e eterno, me senti envolvido pela tragédia. Estava lá dentro, vítima. E vítima solitária, que mal entrevia as outras, longe. Longe e perto. Pertíssimo. E depois, a trilha sonora. Sirene de bombeiro e de ambulância. Era mais que grito, porque também gemia. Lamento dentro da noite, na pauta urgente do pânico.
Nesse confuso estado de espírito, entre o sono e a vigília, não dá pra saber que existe o controle remoto. E nem era o caso. Não consigo desligar o Brasil. Assim que desci à realidade, a consciência me doeu. Dá vontade de recorrer a uma palavra mágica. Interromper essa enfiada de misérias e tragédias. Tirar o país da enrascada em que se meteu. Em que o metemos. Está pelo avesso. Voltar atrás. Desentortar ali onde o engenho enguiçou. Não pode continuar abracadabrante.
Trocado em miúdos: cochilei com a televisão ligada e acordei com o motim da Febem na minha cara. Num milionésimo de segundo, deu pra sonhar. Ou fora do sono, era um fiapo de devaneio pela força da associação de ideias. Não há tatu que aguente. Quem assim dizia, voz solene, dramático e, todavia, sereno era o dr. Ulysses. Naquele instante o dr. Ulysses, ai de nós, já estava ausente. Mas poucos dias antes, ele disse que não há tatu que aguente.
Sabia usar tanto a palavra empertigada como o que vem do vulgo. Tinha vindo do hospital com a corda toda. E disse na televisão. Assim mesmo. Não há tatu que aguente. Anotei e me prometi procurar a razão por que o tatu foi se enfiar aí. Seria símbolo de resistência, o tatu. Se nem o tatu aguenta, de fato passou da conta. Mas com a sua couraça, o brasileiro que aguente. Sou meio cismado com bichos. O tatu pertence à minha zoofilia.
O tatu de Kipling, levado pra Londres. Agora o tatu do dr. Ulysses. O que nem ele aguenta. Nessa mixórdia, no que se fez uma frincha de luz, entendi a razão do tatu. Era Tatuapé. De novo Tatuapé. E agora mais trágico. Depois de Carandiru, Tatuapé. Como se não bastasse um massacre. Esse permanente arrastão. Arrastão após arrastão. Que sina é essa? Só se o Brasil surtou, como diz a moçada. Um país arrastado pela doideira. Vamos ver onde é que erramos. Não, não há tatu que aguente. Vamos mudar tudo isso. Já!