O Jornal de Letras de Lisboa vem fazendo um inquérito sobre “os livros de uma vida”. Pergunta ao entrevistado quais são as dez obras de autores portugueses e as dez de escritores estrangeiros que selecionariam para uma biblioteca ideal. As escolhas, diz o jornal, confirmam gostos, opções, percursos, mas são também a marca do “afecto” que liga quem escreve ao “objecto” de prazer e descoberta que é o livro.

Fora o “c” metido no afeto e no objeto, a língua de lá é a mesma que aqui se escreve. Esperamos que por causa de um “c”, que além-Atlântico está também na palavra facto, não se afastem um do outro Portugal e o Brasil. O Traço de união, título do Miguel Torga, vem-se enfraquecendo de uns tempos pra cá. Portugal se europeíza com o Mercado Comum. O forte contágio da prosperidade europeia, que agora começa ali na Espanha, é uma fatalidade. Aqui bate mais forte o sol americano.

Mas brasileiros e portugueses não precisam ser iguaizinhos pra se entenderem. A aproximação cultural se fundamenta também nas diferenças. Intercâmbio não é só afinidade. Pelo contrário. Ninguém troca uma gravata de seda preta por uma gravata de seda preta. Entre os que respondem ao tal inquérito, está o José Saramago. Nos dez estrangeiros de sua escolha figura um brasileiro. Os sertões, do Euclides da Cunha. Ninguém dirá que é um gosto duvidoso. Pelo contrário.

O Jornal de Letras ouve não só escritores, como outros profissionais da vida cultural. Arquitetos, artistas, cineastas. Venho observando uma coisa curiosa. Pouquíssimos são os inquiridos que citam livros brasileiros. Machado de Assis vive lá numa penumbra. Não é um escritor que arrebate os portugueses. Natural que as escolhas e os julgamentos lá e cá não coincidam. O Raul Brandão, por exemplo, é lá uma glória. Merecidíssima. Entre nós quem o lê?

Se um jornal fizesse aqui um inquérito assim, Portugal teria na certa maior presença do que temos lá. Basta pensar no Eça. É um deus no Brasil. Caetés do Graciliano lembra o Eça. O Eça está presentíssimo na obra do Nelson Rodrigues. Basta ler O anjo pornográfico, do Ruy Castro. Ainda agora, o Dário Castro Alves publica em Lisboa um dicionário gastronômico do Eça. João da Ega e Jacinto de Tormes são nossos íntimos. E outros, outros. Mas a Capitu é lá uma vaga moreninha que passou o marido pra trás.

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