Está no Brasil o chefe do governo português — Cavaco Silva. Bastaria ser português para aqui ser bem recebido, como sempre foram, quero crer, os governantes que saíram do outro lado do Atlântico para nos visitar. O primeiro deles, se não estou enganado, foi Antônio José de Almeida, em 1922. Era o presidente da República e aqui veio celebrar conosco a nossa independência. Grande orador, a retórica da fraternidade jorrou em catadupas.
Não digo que não sejam sinceras as juras de amor que trocamos com Portugal. Pelas costas, a gente ri com as anedotas de português, que aliás andam fora de moda. Até porque, como lá se diz em Lisboa, o Brasil tem hoje muito mais piada do que Portugal. Estamos metidos com o nosso tamanhão na famigerada camisa de 11 varas. Para quem não sabe, é a mesma que d. Maria 1ª, a Louca, enfiou no Tiradentes, na hora de enforcá-lo.
D. Maria pelo menos era doida. Tinha este atenuante. Sempre me intrigou esse caso de uma rainha louca. Não porque fosse rainha, ou fosse louca. Mas, sim, porque era portuguesa. O português é um homem de sólido bom senso, o que lhe permitiu a grande aventura dos descobrimentos. Até no mar, tinha os pés no chão. Sonhava, sim, mas com realismo. Não delirava, nem delira. As provas estão à vista, na própria história de Portugal. Não sei se de nossa parte temos tido tanto juízo.
Coincidindo com a ascensão do fascismo no mundo, até o Estado policial de Salazar teve os seus rasgos de sensatez. Inimigo do progresso, da massificação americana, Salazar queria manter Portugal como um presépio dourado. De ouro mesmo, que juntou em barras no erário. Em matéria de liberdade, o país era um desastre. Mas tinha moeda, e moeda sólida, o que é meio caminho andado para a soberania.
A última grande prova de bom senso que nos veio de Lisboa foi a transição da ditadura para a democracia. Depois do tumulto da primeira hora, o país retomou o caminho da sensatez pela via da democracia parlamentar. Na presidência da República, Mário Soares representa a resistência democrática, fiel às suas convicções. Enquanto Portugal descobre a Europa e nela se integra, nós aqui ficamos a ver navios. Se bobear, voltamos às caravelas.