A propósito do escândalo que cerca o nome de Maradona, tenho vontade de perguntar até onde, sendo réu, e parece que confesso, ele não é também vítima da engrenagem diabólica que está por trás do sucesso, na escala planetária em que hoje, o conhecemos. Antes de condená-lo, se de fato é caso de condenação, convém indagar por que Maradona chegou ao ponto a que chegou.
Oriundo do teatro, o vedetismo não é um fenômeno recente. Capazes de galvanizar o entusiasmo das multidões, ídolos e heróis são de todas as épocas. Era assim na antiguidade, na Grécia como em Roma. O que é novo é a gigantesca dimensão planetária que caracteriza as vedetes eletrônicas da comunicação de massa.
Mesmo no futebol, o caso de Maradona está longe de ser único. Aqui mesmo no Brasil tivemos o caso de Garrincha, que, também campeão mundial idolatrado em todos os recantos do mundo, passou por um processo de desgaste e declínio em certo sentido mais doloroso do que o de Maradona. Não é a presença ou a ausência da cocaína que modifica substancialmente o quadro, do ponto de vista psicológico ou humano.
Muito pelo contrário, a droga é um fator de perturbação emocional. E conspira contra a isenção, no momento em que as autoridades de todo o mundo se empenham numa guerra contra o narcotráfico. No fundo, o futebol e a cocaína são duas vedetes mundiais, capazes, cada qual a seu modo, de atrair a atenção geral. O encontro das duas não podia ser mais explosivo.
Desnecessário dizer que a fama de Maradona decorre do seu extraordinário talento. Assinalado por um dom mágico, superdotado, não faltará quem pergunte pela responsabilidade moral que o êxito lhe acarreta. Mas é preciso perguntar também pelo sacrifício que lhe é imposto, pelo estresse da competição e até pelo convite à paranoia que significa a idolatria que lhe devotam as multidões mesmerizadas.
Nem todo mundo tem a estrutura de um Pelé, que convive bem com a sua coroa de louros (e de louras). Num mundo que erige em valor absoluto o mais desvairado exibicionismo, toda a responsabilidade não pode pesar sobre os ombros de um só homem, ainda que sejam os de um atleta. No momento em que esse mundo eliminou a culpa, cumpre encontrar um bode expiatório. Então, nada melhor do que um campeão no caminho do ocaso.