No Brasil massificado e violento das megalópoles de hoje, soa estranho ver e ouvir na televisão a chamada para a procissão de Corpus Christi. Na liturgia católica, a festa lembra a instituição da Eucaristia, “panis vivus et vitalis”. O pão vivo e que dá vida, segundo Santo Tomás de Aquino, autor do texto da missa de hoje.

Como as festas juninas que estão à porta, Santo Antônio, São João, São Pedro e São Paulo, a procissão tem um toque de nostalgia. É o Brasil de ontem, das cidades do interior. É possível que ainda seja assim no que resta de um Brasil provinciano, longe do burburinho anônimo das grandes cidades. Aqui, o Brasil é cada vez mais parecido com o mundo todo, isto é, com ninguém. Desmemoriado e sem identidade.

O brasileiro não tem o hábito de ler a Bíblia. Vai nisto em parte a desconfiança com que os católicos, sujeitos à disciplina da Contrarreforma tridentina, ainda encaram o livre-exame luterano. Do ponto de vista religioso, digam os doutos o que se perdeu, ou o que se ganhou. Digo eu que do ponto de vista literário muito se perdeu.

Qualquer poeta é capaz de tirar o chapéu para as metáforas bíblicas que estão na missa de hoje – “flor da farinha”, “mel do rochedo”. Murilo Mendes via na missa, em qualquer missa, uma dimensão estética e até teatral. Convertido por Ismael Nery, Murilo publicou em 1935 Tempo e eternidade, de parceria com Jorge de Lima.

Para não deixar dúvida, os dois poetas proclamavam logo na página de rosto: “Restauremos a Poesia em Cristo”. Outros poetas, como Oswald e Mário de Andrade, nessa altura, trilhavam outros caminhos. Ambos, de formação católica, tiveram, porém, a sua fase religiosa. Ou carola como do Mário disse o Oswald iconoclasta, quando o viu de opa numa procissão.

Em 1952, Oswald caiu nos braços de quem? Do catolicíssimo Gustavo Corção. Botou-o nas nuvens, ao lado de Machado de Assis, por causa de Lições de abismo. Corção, escreveu Oswald, “é um primor de homem”. Dois anos depois, Corção foi visitar Oswald doente, em São Paulo. Contou como ficaram amigos de uma amizade absurda. Viu Oswald com uma medalhinha milagrosa. E não teve dúvida de que Nossa Senhora lhe ensinou a passagem de seu cântico que é a antropofagia do céu: “Esurientes implevit bonis”. 

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