Falar mal do governo sempre se falou. É tão gostoso que o Milton Campos, governador de Minas, sustentava que não podia ser privilégio da oposição. Houve um tempo, antigamente, em que se poupava a honra. Homens públicos eram homens de bem. A integridade moral. Ainda assim, a maledicência lavrava. No princípio do século, plena Velha República, abriram aqui a av. Central. Hoje é a av. Rio Branco. Coitado do Pereira Passos. Era o prefeito.

Caiu na boca do povo. Cobras e lagartos. O bota-baixo estava cheio de mutretas e maracutaias. Desapropriação virou negócio. Os lotes faziam fortunas da noite para o dia. E por aí afora. Naquele tempo ainda se louvava a pobreza. Fulano é pobre, isto é, probo. Até o Brasil era pobrezinho. Franciscanamente pobre. Valores próprios da cultura católica, diziam. Mas há muito perdemos essa cerimônia com o dinheiro. Ex-esterco do Diabo. Hoje é ouro. Uruguaio ou não.

Com o tempo, a política se misturou aqui com a plutocracia. É o modelo americano. Só que lá de vez em quando agarram pela gola um gatuno. Até na Casa Branca. Olhe aí, onde é que a madame arranjou esse casaco de vison? E o cara vai pro xadrez. Já nós aqui somos o país da impunidade. E tudo se misturou com tudo. Uma barafunda. Fica até difícil saber quem é polícia e quem é ladrão. Há os que acumulam. Nisto, veio essa CPI do PC.

Era pra dar em água de barrela. Passaria como passam as andorinhas. O acaso se mete e dá no que deu. Agora o governo se atraca no voto secreto. Hoje todo mundo escancara a própria intimidade. Deputado conta tudo. De que fruta gosta, que amores tem. Se dorme em cama separada. Que cirurgias íntimas fez. Se ronca, se gosta de eructar. Minha vida é um livro aberto. Nada tenho pra esconder. Nada temo. E todo mundo compreende, aplaude. Abaixo a intimidade!

Aí, surge a questão do voto. Secreto ou aberto? Absurdo! Querem quebrar o sigilo. O sagrado direito ao sigilo. Depois do que houve, fantasmas, depósitos milionários, paraísos fiscais, dá pra desconfiar desse amor ao segredo. Antes, seria aviltante calúnia dizer, por exemplo, que um voto pode valer um milhão de dólares. Caladinhos, na Suíça. Hoje, é puro realismo. 100 votos, 100 milhões. Uma ninharia pra qualquer fantasminha. Um impeachment vale muito mais. A hipótese é lúgubre. Mas infelizmente é verossímil. Se duvidar, verdadeira.

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