Periódico
Folha de S.Paulo

Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.

Sou repúblico e parlamentarista, mas não espumo de ódio quando vejo um monarquista. O Paulo Bonfim escreveu um belo soneto “A Pedro 2°”, invocando “a saudade imperial”. O Alexandre Eulálio era monarquista e marxista. Há no mundo de agora exemplos como o da Espanha, onde o rei fez boa aliança com a modernidade. Faz 100 anos hoje que d. Pedro 2° morreu exilado em Paris. A data exala uma certa nostalgia, até porque o passado, como a terra vista do espaço, é sempre azul.

Quando os constituintes de 1988 adotaram o plebiscito, na certa não faziam ideia de que a causa monárquica ia receber a lufada favorável que vem recebendo. Não estou insinuando que vamos voltar ao império. Continuaremos a ter muitos reis e rainhas no Carnaval, além dos que o povão coroa, como o Pelé. D. Pedro 2° era tão bonzinho que sonhava em ser presidente da república. A oposição apelidou-o de Pedro Banana.

Barbaçudo, austero, só viu a imperatriz Teresa Cristina na hora de casar. Três anos mais velha do que ele, era feia e manquitola. Viveram casados 46 anos e tiveram quatro filhos. Dois morreram. Altíssima taxa de mortalidade infantil no palácio! Na moita, d. Pedro se apaixonou pela condessa de Barral. As muitas cartas que lhe escreveu só vieram a público em 1948. Nenhuma faz referência à deliciosa saia compridíssima que lhe cobria os delicados pezinhos. Bons tempos. Boca de siri. A hipocrisia era a homenagem do vício à virtude.

Se estivesse aí hoje, d. Pedro saía da Quinta da Boa Vista e ia com o Darcy Ribeiro a uma aula num Ciep, ou num Ciac. Culto, era chamado de rei filósofo. Mas, fora uns sonetinhos, não deixou obra especulativa ou literária de monta. Gostava da companhia dos homens de letras, dos expoentes das artes e das ciências. Falando várias línguas, como o Marcílio, era doido por Victor Hugo. Admirava Thomas Alva Edson e Pasteur. Até Grahan Bell foi encontrar nos Estados Unidos.

Meu Deus, isto fala! — Exclamou quando viu o protótipo do telefone. Foi em 1876, há 115 anos. Hoje, o progresso é fantástico. Tem telefonia móvel e telefone celular. Mas conseguir uma linha, só por milagre. O que dá de engano e de linha cruzada é um horror. Quem não tem secretária tem calo no dedo (é o meu caso) e sofre de Grahanbellfobia. Em 1994 veremos se vamos voltar à monarquia. No plebiscito, fala a plebe. E plebe hoje é o que não falta. Tem de montão. Difícil é arranjar um barbaça tolerante e sábio como Pedro 2°.

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