A corrupção do mundo é antiquíssima, me disse o Murilo Mendes com um gesto teatral que acentuava a ênfase da declaração. Já não me lembro de que falávamos, mas devia ser sobre a política brasileira. Murilo era um poeta religioso, um espírito metafisico, mas nunca dispensava o senso de humor. Um poeta é capaz desta proeza de ser dramático sem deixar de achar graça em tudo. Autor de uma História do Brasil, Murilo foi também um profeta.

E um profeta bem-humorado, como está evidente nos versos brincalhões que escreveu a propósito dos fastos da nossa história, tratada quase sempre com excesso de retórica e escassez de documentos e de pesquisa. Publicada em 1932, numa edição modesta, a História do Brasil tem, por exemplo, um “Hino do deputado”, que começa assim: “Chora, meu filho, chora. / Ai quem não chora não mama, / Quem não mama fica fraco”. E vai por aí afora.

Pode haver coisa mais atual? Como o José Dias do Machado de Assis, o Murilo tinha o gosto do superlativo. Tendo morrido a 13 de agosto de 1980, em Lisboa, fico imaginando onde é que o poeta iria hoje buscar superlativos superlativíssimos para falar do Brasil deste ano da graça de 1991. De lá para cá, mais do que antiquíssima, a corrução se tornou atualíssima. Tirei o “p” da palavra “corrupção” porque o Murilo não o pronunciava. Já devia ter sido furtado por algum reformador ortográfico.

Com “p” ou sem “p”, antiquíssima, a corrupção sempre existiu. Lá está no Gênesis que, assim que os homens começaram a se multiplicar, o Senhor viu que a maldade deles era grande. Ferido de íntima dor, arrependeu-se de ter criado o homem. E veio o dilúvio. Pois ainda assim a bandalheira continuou de tal forma que foi preciso mandar uma chuva de enxofre e de fogo para destruir Sodoma e Gomorra.

Quem acompanha hoje a vida pública brasileira deve achar uma injustiça o que o Senhor fez com Sodoma e Gomorra. Nem o vocabulário do Vieira e do Ruy, nem os superlativos do José Dias e do Murilo Mendes, nada é capaz de dar uma pálida ideia do que se lê e se ouve por aí. No cochicho, ao pé do ouvido, a missão foi substituída pela comissão. Os honestos são percentauros: metade missão, metade comissão. Se 10% do que se diz é verdade, ai que saudades de Sodoma e Gomorra!

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