Todo dia, ou toda hora, pipoca mais um escândalo e pinta mais uma ladroeira. Não adianta bancar o avestruz e enfiar a cabeça na areia. Sendo de todas as aves a maior, o avestruz não vê, mas é visível. No nosso caso, dá vontade de não ver e de não ser visto. Com a altíssima taxa de corruptos que assola o país, a Câmara dos Deputados podia inverter o objetivo de sua comissão de inquérito. Ouvir os suspeitos de honradez. Não haveria assim perigo de tumulto, nem seriam legião os inquiridos.
Calma, gente! Nada de pôr a culpa na imprensa e acusá-la de só ver o negativo. Tem muita gente proba por aí. Aposto de olhos fechados e mão na Bíblia que é a maioria. O Rio e São Paulo não são Sodoma e Gomorra. Nem Brasília está pedindo uma chuva de fogo e enxofre. Como dizia o Murilo Mendes, a corrução do mundo é antiquíssima. O poeta era chegado a um superlativo, como o José Dias, e não pronunciava o “p” de corrupção. Sem “p”, o corruto fica mais repulsivo. Engole, ou furta, o “p”.
O caso aqui é de impunidade, que entre nós perde sempre o “p” e vira imunidade. Há poucos dias, um ministro de Estado do Quirguistão foi fazer compras numa loja em Hamburgo, Alemanha. É notícia? Não. Ministro também faz compra. De olho em sua excelência, o detetive da loja viu quando Kikstem Bajasitov (é o seu nome) enfiou uma camiseta na bolsa, coberta por um imenso capote escuro. Sim, furtava. Foi preso em flagrante. A notícia saiu no mundo inteiro. A camiseta custava a ninharia de 39 dólares.
Sendo gente de carne e osso, um ser humano, como a Orca, ministro pode ser cleptomaníaco (o “p” soa). Ou larápio, também com “p”. Aqui ou alhures, em qualquer latitude. No Primeiro, no Terceiro ou no Último dos Mundos. Para um ministro que furta uma camiseta, quantos trabalham em silêncio? Outro dia John Updike foi visitar o Espaço Lúcio Costa, em Brasília. A reportagem anotou que a escada estava entulhada de lixo. O escritor gostou da visita, mas o lixo também foi notícia.
Se você é dos que acham que jornal só vê o negativo, quero lhe perguntar se costuma ir ao médico com uma saúde de vaca premiada. Com 32 dentes sem cárie, você procura o dentista? Você sai de casa todo dia para o trabalho. Se amanhã quebrar a perna no trajeto, conta para a sua mulher ou cala? O Titanic só foi manchete quando afundou, sabia? Então tá. Pense um pouco antes de falar bobagem. Ou disparate e parvoíce. Com “p”, viu?