Ela me disse que tinha se decidido e estava tão satisfeitinha que me contagiou. Esqueci por um momento que ia embora e fiquei alegre. Bobo alegre. Ou alegre de bobo. Uma gafe, me alegrar com a sua ausência. Até por uma questão de cortesia, tinha o dever de lastimar. Vá lá, é para o seu bem. Você vai embora, a gente talvez nunca mais se veja. Mas é para o seu bem. Tudo bem. Bem, bem, bem.
Bonita essa conversa, que toma a linha da nobreza de sentimentos. Pensar primeiro no outro, no seu interesse. No que é melhor para ele. Ou para ela. E só depois pensar em mim. Se é bom para ele, para ela, é ótimo para mim. Muito bonito tamanho desprendimento. É o que passava no cineminha da minha cabeça. Só que a cabeça da gente projeta ao mesmo tempo dois filmes. Ou três. Às vezes quatro. Um se mistura com o outro e acaba aquela barafunda. Verdadeiro ninho de guaxo.
O caso é o seguinte. A moça está apaixonada por um forasteiro. Não conheço o felizardo. Esse príncipe que, mais que encantado, há de ser encantador. Ou talvez nem seja. Mulher bonita, toda perfeição, às vezes tem o dedo podre. Pouco importa que a beleza seja a mais alta forma de inteligência. De cima da minha idade provecta, ou de baixo, sei lá, não sou parte na questão. Adianto que ela é charmosa. Abro o jogo: um avião. Sabe esse tipo top model, que onde entra faz luz?
Pois é a própria. Está recusando dois convites milionários, depois que passou num teste internacional. Assim tesouro, é inteligente e sensível. Nem precisava, não é mesmo? Eu caí na bobagem de dizer isto e ela me fulminou. Machismo! Só porque é bonita, tem de ser burra? Não, mil vezes não. É uma gênia. Mas não tenho culpa se a deslumbrante beleza está na vitrine. Qualquer idiota passa e vê logo. Olha, baba e fica infeliz pro resto da vida.
O Brasil na situação em que está e essa moça vai embora. Não me pede conselho, nem opinião. Mas está na cara que espera, perdão, o meu veredicto. Pois vá. Vá, siga o seu coração. Não está apaixonada? Aí ela demora aquele milionésimo de segundo pra responder. Sim, está. Quem sou eu pra dar palpite. Mas se ela pergunta, não terá dúvida? Afinal prometo: vou lhe escrever o que acho. Foi aí que senti o vazio da felicidade. Mas isto é um verso do Dante Milano. Apenas um verso.