Falávamos de sonhos. Primeiro, os mais curiosos. Os que não têm lógica, nem relação com a realidade. Ah, isto é que não. Neste ponto, a conversa enviesou pela “interpretose”. No sonho tudo tem a ver com quem sonha. Aliás, na vida real também. Ou não? Mas a controvérsia teórica não vem ao caso. Hoje todo mundo sabe o seu lance de psicologia. Freud e Jung dão pé para qualquer palpiteiro.

Pra botar ordem na conversa, cada um na roda podia contar um sonho, de preferência que tenha tido consequência prática. Uma premonição, por exemplo. Você sonhar com um número, jogar e ganhar. Sonhar que recebeu um telefonema assim-assim, que resultou numa viagem maravilhosa. E no dia seguinte vem o telefonema e a viagem sai. Antecipação, inexplicável sorte, mas que acontece. Ouvir em sonho um aviso, um conselho, e dar certo. Coisas da parapsicologia.

Sonhos recorrentes, que acompanham a gente a vida toda. Alguns, obsessivos, estão presos a reminiscências antiquíssimas, que mal se vislumbram na vigília. A memória afetiva nos arma ciladas, desencava peças de arqueologia, dá vida ao que está morto. Abre um verdadeiro cemitério. Às vezes, é bom, amável. Outras vezes, é mau, amargo. O sonho persecutório, por exemplo. Ouvi o enredo de um que Deus me livre. Verdadeira condenação, coisa do maligno. 

O meu, o desta conversa, posso contar. Foi há anos. O Rio ainda era a capital. Um amigo me pediu para fazer um pedido ao presidente da Câmara dos Deputados. Pedido constrangedor, eu dizia que não, que não. Mas o cara insistia. Me cercava de atenções, me apontava os lugares a que o presidente iria. Tinha de cor a agenda do homem. Nada de indecoroso, mas por que eu? Não tinha porque pedir, me meter num negócio que eu desconhecia.

Estou omitindo algumas circunstâncias que impediam que me livrasse do importuno. Uma noite fui dormir com aquela maçada. E então sonhei. Pesadelo? Coisa nenhuma. O presidente da Câmara tinha embarcado para a Europa. Ia passar uma longa temporada no exterior. Compareci ao embarque, conversamos, nos despedimos. Deu no jornal e eu li. Acordo e me telefona o postulante. O chato! Conto com pormenores a viagem, o embarque. Enfim, livre. Só depois vim a me dar conta de que tinha sido um sonho. Mas que alívio!

otto-lara-resende
x
- +