Não é coisa muito antiga essa aflição nacional do Imposto de Renda. A gente ouvia falar do que sofriam, por exemplo, os artistas americanos e nem ligava. Mais um estrangeirismo de gente rica, a praga não iria chegar até aqui. Um país que nem moeda tem. Eis senão quando, apareceu o dr. Travancas. Assim mesmo: dr. Travancas. Travanca é estorvo, obstáculo. Um troço que atravanca o seu caminho. Não saía da televisão, o dr. Travancas.

Mas não era um sujeito de maus bofes. Doutrinando, explicando, popularizou o Imposto de Renda. De lá para cá, parece que a intenção é meter medo no pobre do contribuinte. Para encarnar o tributo, podiam ter pensado numa onça, ou numa ariranha. São ferozes, mas ao menos são brasileiras. Foram buscar o leão, que é o rei dos animais lá para as negras dele. Aqui, leão só de circo. Ou no bicho. Número 16, dezenas 61, 62, 63 e 64.

Vocês na certa se lembram do leão que no anúncio da televisão subia pelas paredes. Que nem lagartixa do arsenal metafórico do Nelson Rodrigues. Aliás, certa vez estávamos numa roda. Véspera do encerramento do prazo para a declaração. Alguém perguntou ao Nelson se já tinha feito a sua. A resposta foi um espanto: nunca tinha tomado conhecimento do tal imposto. Nem iria tomar. Éramos 12, com o Nelson. E ele: “Espero que não haja aqui nenhum Judas”.

Na roda, vejam só, estava um ministro de Estado. De lá para cá, a distribuição de renda continuou obscena. E o leão endoidou de vez. Seu prato predileto é o assalariado. Eu por mim aceito como socialmente justo até o IPTU. Mas não entendo a barafunda de normas e regras que toda hora se modificam. Parece que o Brasil não tem outro assunto. Está sempre em pauta uma reforma fiscal. E nada muda mais do que o leão. Verdadeiro camaleão, na sua grosseira malha de mil fios.

O poder nesta latitude convenhamos que é sádico. Não se contenta em meter a mão no bolso do assalariado. Até o pobre diabo que mal tem o que comer se assusta com os urros do leão. A gente mal acabou de celebrar os 200 anos da morte do Tiradentes, vítima do fisco, e dona Maria, a louca, bate à nossa porta. O povão já nasceu enforcado. A classe média tem a corda no pescoço. Precisa ameaçar e rugir tanto? Precisa complicar essa embrulhada dos mil diabos? Arre, que é ser cruel demais!

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