5 out 1992

Sufoco hipersensível

Periódico
Folha de S.Paulo

Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.

Você pode adorar morango e lhe ser alérgico. Se comer, já sabe, é um desastre. Outro pode ter horror a cebola e não lhe ser alérgico. Não come porque detesta. Assim como não se discutem, gostos também não se explicam. São tabus. A alergia é uma descoberta do princípio do século. O sujeito nasce com uma certa hipersensibilidade para isto ou aquilo. Os alérgenos. Há, por exemplo, quem não suporte perfume. Um determinado tipo de perfume.

No caso de alimento, você evita. Se a alergia é a pluma, estofado de pluma sempre se pode evitar. Já perfume é mais difícil. Causa a ruptura de uma amizade, ou até de um amor. Se a dama insiste, é porque não há amor nem amizade. Nada mais prosaico do que um namorado ou uma namorada que se põe a espirrar à simples aproximação da parceira ou do parceiro. Uma tempestade alérgica pode liquidar com um amor. Sábia é a natureza ao impor as suas repulsas e as suas afinidades.

Pior é quando o alérgeno está no ar. Nesta época do ano, na primavera, o perigo aumenta. O ciclo polímico às vezes provoca um acesso de urticária ou de asma. O "Jornal da Asma", do dr. Naspitz, dá importância ao fator emocional, no caso dos asmáticos. Não tenho dúvida nenhuma de que esse fator conta. Basta o asmático numa viagem se esquecer de sua mezinha e pronto ― o acesso é fatal, já no avião. Hoje há os comprimidos. E a bombinha é agora mais discreta.

Imagine o que sofreu o pobre do Machado de Assis. Não sabia que ele era asmático? Eu também não. Sabíamos que era epiléptico. Pois o "Jornal da Asma" o inclui entre os asmáticos. Já tinha ouvido falar no estilo de gago do Machado. Sim, também era gago. Há de ver que o ritmo da sua prosa vem é da asma. Outro que pagou tributo à sufocação foi o Graciliano Ramos. Fumava que nem um desesperado. Cigarro mata-rato. E asmático! Eu o conheci e não sabia.

Explica-se por aí o temperamento abespinhado do Velho Graça. Outro asmático foi Augusto dos Anjos. Aquele pessimismo todo, coitado, era falta de ar. Vivia a um passo da asfixia, numa época em que a asmologia apenas engatinhava. Não se sabia o que hoje se sabe, ou se propala. Sendo uma forma de hipersensibilidade, que tem a ver com a respiração, isto é, com a própria vida, a asma inclina a pessoa para as letras e as artes. Dura compensação!

otto-lara-resende
x
- +