Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.
Como não sou muito novidadeiro, custei um pouco a aderir à secretária eletrônica. E até hoje não tenho computador, ou processador de texto, apesar de lidar bem com um teclado. Já experimentei e não me saí mal. Mas as mudanças vão ficando cada vez mais difíceis, com o passar do tempo. Não é só questão de idade. É também de temperamento. O comodista não quer mudar de hábitos. E resiste ao que é melhor, mais confortável, só porque é novo.
Não, não é o meu caso. Assim que se tornou tecnicamente confiável, aderi à secretária eletrônica. Para quem não tem secretária de carne e osso e é o contínuo de si mesmo, como é o meu caso, a eletrônica é uma mão na roda. Já estou na terceira, não porque seja infiel, mas porque as duas primeiras me abandonaram. Enguiçaram e não houve jeito de obrigá-las a voltar ao trabalho.
Apesar da palavra oficial, o telefone no Rio hoje é uma engenhoca que leva ao desespero até um Jó. Eu, por exemplo, andei com uma linha cruzada que me dava nos nervos. Dizia o Paulo Mendes Campos que número errado cai sempre em casa de estrangeira velha. Pois linha cruzada comigo é sempre com tagarela. E duas ao mesmo tempo. Um dia me dei ao luxo de ouvi-las por uma boa meia hora. Nunca vi duas criaturas falarem tanto sem ter rigorosamente nada para dizer. E de minuto em minuto as duas se despediam: então tá, ciao. Só da boca para fora. E tudo recomeçava.
Na interpretação da excelente Regina Casé em Nardja Zulpério, a secretária eletrônica dá um bom rendimento cômico, de passagem. Mas há todo um tratado a escrever sobre essa maquininha. Ou sobre o que ela representa no nosso dia a dia cada vez mais cercado de equipamentos eletrodomésticos. Muita gente ainda se relaciona mal com a gravação. E xinga ou desliga. O cara custa conseguir a ligação e dá com uma gravação, aí fica uma fera.
Como há anos tomo nota de todos os recados, um dia desses vou fazer uma seleção. Tem o apressadinho que nunca deixa o número. Ou a moça que fala baixo e embolado. Tem o chato, que fica íntimo da secretária (eletrônica, claro). E histórias hilárias, como o sujeito aflito que todo dia me deixava um recado patético: “Ô Rabelo, telefona pro Gumercindo”! Como o telefone aqui é uma droga, vira tudo uma doideira. Por aí é que eu vejo como é difícil desentortar o Brasil. Acaba tudo em fita cômica.