Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.
O calor já está ardendo há vários dias. Chegou tão forte que nem o ar refrigerado dá conta de detê-lo à porta do quarto de dormir. O sol se retira, mas deixa à noite no ar parado o desalento do mormaço. Até as chuvas torrenciais já fizeram a sua sinistra aparição. Oficialmente, porém, só hoje o verão está abrindo a sua temporada. 21 de dezembro: solstício no hemisfério sul. Pelo que se vê, nem as estações do ano têm o bom hábito de ser pontuais nesta latitude.
Inicialmente, o verão era o tempo primaveril, como o diz a raiz etimológica da palavra. No Rio, o verão continua a ter de fato uma grande afinidade com a primavera. Festas e férias, não faltam motivos para uma euforia que se enquadra bem nesta paisagem exuberante. Mais do que em qualquer outra época do ano, a cidade é um balneário. Conta para isto com a ajuda dos turistas, que não têm razão para se assustar mais do que se assustam por esse violento mundo de Deus.
Falar nisto, gostei de saber que no Recife estão pondo em prática um tipo de turismo secreto. Era só o que faltava. Diz a notícia que um navio trouxe 1.200 alemães. 600 outros vieram de avião. O desembarque foi sigiloso, como sigilosos foram os passeios que todos deram por Olinda e Recife. Na praia da Boa Viagem, dividiram-se em pequenos grupos para não chamar a atenção. Tudo isto para evitar que se repetissem os assaltos que aconteceram no princípio de dezembro. 25 turistas perderam 10 mil dólares, relógios e câmeras foto e cinematográficas.
Essa história de turista disfarçado está me cheirando a piada. Lembra aquela do espião fardado, com uma bruta condecoração da CIA plantada no peito. Pois me digam lá como é que 1.800 alemães podem passar despercebidos no Recife e Olinda. Sim, em pequenos grupos. E daí? Digamos até que andem caladinhos, de bico fechado, para ninguém desconfiar que são gringos. Discretíssimos, seguem à risca as instruções. Não olham para nada com espanto, ou exagerado interesse.
Em qualquer país do mundo, se há um cidadão que dá bandeira é o turista. Ninguém o confunde com o nativo. Os gestos, o olhar, o traje, tudo o denuncia. Está de passagem. Não adere à paisagem. Ainda mais alemão, procedente direto do inverno. Uns branquelas, ou vermelhões, tudo louro de olho azul. Essa, não. Turismo secreto! Imagine só um prussiano daquele tamanhão confundido com um gabiru. Estão é brincando com a gente.