O Hélio Pellegrino tinha um jeito especial de brincar com as palavras. Jubileu, por exemplo. Assim que topou com jubileu, num texto do ginásio, cismou que não podia ter o sentido que está no dicionário. Se a gente para diante de uma palavra e diz sílaba por sílaba, como se a visse pela primeira vez, ela fica logo esquisita. Jubileu então, nem se fala. É nome de gente, garantia o Hélio. E daí apareceu o Jubileu de Almeida.

Mas esta é outra história, que conto outro dia. Hoje quero falar é de um jubileu mesmo. A palavra vem do hebraico e a princípio designava uma trombeta que só tocava de 50 em 50 anos. Daí, jubileu é um período de 50 anos. Uma data redonda e festiva. Bastaria o decurso do tempo para lhe dar valor. Afinal, é meio século. Antes que acabe 1991, quero recuar a 1941. Não tenho arquivo. Tenho um papelório amontoado numa canastra.

Verdadeiro cafarnaum. Mas assim como há um anjo das bibliotecas, que indica o livro que a gente está procurando, assim também há um anjo que, entre mil papéis, põe o dedo no papel que interessa. Outro dia dei com os documentos de uma festa de 1941. Depois tudo sumiu de novo. Lá estava o cardápio do jantar na Pampulha. O discurso do Murilo Rubião, chamando o homenageado de Benjamim. Sim, era um garoto de 17 anos que tinha publicado o seu livro de estreia: “Os grilos não cantam mais”. 133 páginas para 13 contos. Bonitos números. Título da primeira história: “Anos verdes”.

Remotos, dramáticos, presentíssimos anos verdes. Edição Pongetti. Foi paga, claro. “A meus pais” ‒ diz a dedicatória. É até bom eu não ter à mão o papelório grampeado. E as fotos. Assim não cito esta ou aquela palavra. Nem releio os dois artigos adolescentes que escrevi. Louvei o jovem estreante com um severo distanciamento. Estava fingindo de crítico de verdade. Era um artigo só, que o João Etienne Filho publicou de duas vezes. O Etienne nos botava pra frente com aquele entusiasmo meio irresponsável.

50 anos! Volvido este tempão, sou insuspeitíssimo para enaltecer, agora bem de perto, o escritor de 1941. Ninguém o supera na consciência literária. Os mais velhos logo reconheceram o recém-chegado. Teve sempre a amizade e a admiração dos melhores. Merecida. Hoje toco a minha trombeta cinquentenária com o orgulho de continuar ao seu lado. Sou testemunha, ontem e hoje. Ninguém foi mais fiel à sua vocação do que Fernando Sabino. E à sua paixão realizada: a literatura.

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