Sim, é possível ver na morte do dr. Ulysses um símbolo. Mais do que possível, é preciso ver um símbolo em mais essa tragédia que se abate sobre o Brasil. Dona Mora e o dr. Ulysses, sempre unidos, morrerem juntos. Ao lado do casal de amigos, Maria Henriqueta e Severo. Tinham ido buscar um pouco de solidão e paz, em companhia de outros amigos fiéis, Maria da Glória e Renato. O mau tempo rosnava, negras nuvens baixas. A fatalidade já tinha alçado voo.

Um fim de semana entre amigos. E a urgência de voltar à base. Retomar a eterna batalha. Só dona Mora ousaria dizer a meia voz que o perigo rondava. Natural, o receio naquela hora. Mas a presença do dr. Ulysses impunha confiança. Nada o assustava. Nenhum medo se permitia à sua volta. E assim o destino juntou os dois casais na hora extrema. O bom amigo do convívio de toda a vida partia amigo e convivente. Política e amizade, vocações. Paixões.

Nome de herói, fez-se herói de sua época. De uma nação, num tormentoso momento de sua história. O tempo não lhe arrefeceu a disposição para a luta. Não lhe esfriou o coração. Velho, quanto mais velho, mais viva a chama de seu civismo. Os reveses o rejuvenesceram. Sua bravura se reabastecia a cada dificuldade. Emergiu assim como líder e exemplo. Num país sem instituições, foi um homem-instituição.

Para saber que rumo tomar, convinha olhar o dr. Ulysses. A bússola. Nunca se desprendeu da realidade. E soube sempre dosá-la com o ideal. A utopia, sim, pelo caminho possível. Mas era preciso abrir o caminho. Ir à frente e inspirar confiança. Fé. Quando tudo parecia perdido, aí é que cumpria crer e agir. O candidato natural se fazia anticandidato. Ou cedia a vez. À legítima ambição, preferia a grandeza do desprendimento.

Vinha de longe, o dr. Ulysses. Do Rio capital. Aqui o vi, jovem. E nunca mais o perdi de vista. Fora uma rápida passagem pelo Executivo, foi só deputado. Representante do povo. Modelo, se iluminou com o tempo. Na Câmara correu todos os riscos. Ali se agigantou. Redimiu a política. A vida não o aviltou. Resistiu à indiferença e ao ceticismo. O tédio jamais o anestesiou. Morreu jovem. Jovem e velho. Velho e jovem. Sua ausência amplia o deserto, que é preciso deter. E reanimar.

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