RIO DE JANEIRO A noite tinha descido, quando tocou a campainha. Escurece cedo nesta época. Espiei cauteloso pelo olho mágico. No hall escuro como breu, ninguém. De novo a campainha. Abri. A visita não podia ser mais bem-vinda. Baixinha, não alcança a minuteria. Por isso não tinha acendido a luz. Ela não se abala com o espalhafato com que a recebo. Abraços, beijos, mil afagos que mais a contrariam do que a deleitam.

Mergulhado há horas no silêncio, naquele momento eu travava mais uma batalha de antemão perdida com um texto que há meses me desafia e me derrota. Exausto, dei graças a Deus de ter uma visita ilustre para me desviar do dever amaríssimo. Familiarizada com o ambiente, ela se livra do meu atropelo e vai se sentar diante da televisão. Estava ligada na TVE, canal 2, sem som. Eu tinha acabado de ver a bela cascata da Liliana Rodrigues.

Para se distinguir como apresentadora, nem precisava ser tão simpática. Basta aquela cabeleira de asa de graúna, com direito a luz própria. A visitante cruza as pernas e dirige à TV um olhar de tédio. Ofereço-lhe balas, bombons, biscoitos. Está com um início de cárie. Nada de açúcar. Aceita um cream-cracker, que rói cuidadosa, aparando num pratinho os farelos. Já vi que não está para conversa hoje. Dou-lhe uma almofada, para que se ajeite melhor.

Tinha se sentado em cima da revista da USP, n. 9. Que aliás recomendo. Está muito bom esse número. Afasta a revista, os livros e se recosta. Pega o controle remoto e, sem chamar o som, dá uma geral pelos vários canais. Nada lhe interessa. Só tem jornal. E você não gosta de jornal?, pergunto. Sem receio de bancar a alienada, me diz que jornal só fala de coisa chata. Ou de coisa triste. Quero saber o que é que ela considera triste e chato.

Ela sabe que eu sei. Pergunto por perguntar. Para não bancar o chato, me calo. Sentadinha, mais um biscoito, ela afinal liga com imagem e som a televisão. Começou o Carrossel. Aquela dublagem artificial. Horrível. Olhos pregados na tela, já não está aqui a visitante. É uma telespectadora hipnotizada. No intervalo, pergunto por que não gosta de jornal. Jornal não tem criança, diz ela. Mas tem, sim, penso comigo. Aqui e agora. Mas é criança triste e chata, me responde. Uma sábia, a minha neta Caetana, sete anos.

otto-lara-resende
x
- +