Treze anos depois da Revolução Russa de 1917, Mário de Andrade dizia numa crônica de jornal que a palavra “comunismo” tinha criado um demônio novo. Para o brasileiro, dizia ele, era uma espécie de assombração medonha. Por mais intuitivo que fosse, Mário não poderia imaginar até onde esse espírito maligno ia se transformar numa personagem obsessiva da nossa vida política. Mais cinco anos e viria o levante de 1935.
No seu livro de memórias, Travessia, Hermes Lima se refere àquele episódio como erro sangrento. Suas consequências não podiam ser mais desastradas. 1935 de fato envenenou a vida pública, preparou 1937 e deu armas à retórica libelista do oficialismo. São palavras do mesmo Hermes Lima, que mais de uma vez voltou ao julgamento daqueles anos marcados, aqui e lá fora, por um clima de radicalismo e intolerância.
Homem de esquerda, Hermes foi demitido, preso e processado por um tribunal de exceção. Escrevendo mais tarde sobre seu amigo Anísio Teixeira, teima em condenar 1935 como erro profundo, que reduziu o conceito de segurança nacional à segurança contra o comunismo. Para justificar o golpe de Estado que instaurou a ditadura, a famigerada “polaca” de 1937 invocava o estado de apreensão criado pela infiltração comunista, que dia a dia se tornava mais extensa e mais profunda. Textual. Em Moscou, o comunismo. Aqui, o anticomunismo.
A partir daí, nunca mais nos livramos dessa retórica. Releia quem quiser os atos institucionais a partir de 1964. O arbítrio se impunha contra os que desejavam bolchevizar o país. Medidas urgentes tinham que ser postas em prática para drenar o bolsão comunista. Nos anos 30, Hermes Lima foi afastado da cátedra. Em 1964 foi posto fora do Supremo Tribunal Federal. Tudo em nome do combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo. De novo textual.
O realejo anticomunista, monótono e enfadonho, à subversão juntou a corrupção. E assim ficou pronto o binômio com que se anulou o regime democrático e se impôs à nação a tutela militar. Posta de lado a cidadania republicana, o povo não passava de um amontoado de débeis mentais. Eis que agora é extinto o PCUS, pai e mãe da hidra moscovita. Não dá mais pra sacudir na cara do Brasil a assombração que Mário de Andrade vislumbrou em 1930. Que fantasma virá no seu lugar?