Quando li as memórias de Raymond Aron, fiquei fissurado por uma sentença: “Toute réussite est méritée”. Todo êxito é merecido. Até na forma axiomática de dizer, há aí uma ponta de ousadia que me fascina. O intelectual, em particular o escritor, costuma alimentar uma indisfarçável má vontade diante do empresário bem-sucedido. Olha com desconfiança até o editor, a começar pelo seu próprio.

É possível que no Brasil essa má vontade seja acentuada pela nossa formação cultural, em que entra um forte componente religioso. Do outro lado, o homem de ação vitorioso costuma encarar o intelectual com dupla desconfiança. É um sujeito que junta o fracasso na vida prática ao espírito subversivo. Exceção feita, claro, para o sabujo. Com a industrialização e a consequente mudança de valores, a ótica se alterou um pouco de parte a parte.

Outro dia ouvi o Ziraldo dizer à Marília Gabriela que prefere o Garrincha ao Pelé. E juntou com ênfase que não gosta de perdedor. Só de vencedor. Não vou discutir aqui se o Garrincha foi ou não um perdedor. Este critério que divide o mundo entre vencedores e perdedores é importado dos Estados Unidos. Lá é que têm, exaltado, o culto do winner. O extremo oposto, exercido cá entre nós, é canonizar o mão-quebrada, o vencido da vida. O looser. Mário de Andrade chegou a diagnosticar na ficção brasileira a mania do “herói fracassado”.

Mas o raciocínio radical de quem compra feito, sem pensar, sem questionar, leva à adoração do bezerro de ouro. Então o gângster, ou o mafioso bem-sucedido, merece o nosso incenso. Na mesma lógica, digno de admiração é só o homem público bem-sucedido. Rui Barbosa, por exemplo, duas vezes derrotado para presidente, não passa de um pobre-diabo. O que importa é ganhar, chegar lá, seja a que preço for.

Cheio de talento, artista e escritor, o Ziraldo merece a vitória que tem. Mas a medida de julgamento que usou é no mínimo perigosa. “Quem for podre que se quebre”, disse Washington Luís em 1929. Em 1965, Roberto Campos praticou o “expurgo dos incompetentes”. Agora, o Collor retira não de uma biblioteca, mas do fundo de um botequim, a sentença popular: quem não tem competência não se estabelece. Julgamento no mínimo precipitado, sobretudo numa hora de recessão. E dá pano para mangas.

otto-lara-resende
x
- +