Nos Estados Unidos, eles têm um tal de Indian summer, espécie de veranico. De repente, a temperatura sobe e se instala uma série de fenômenos contraditórios. Lembrei-me disso por antítese: por causa da onda de frio que por aí afora despertou um surto de admiração. A ameaça da neve alvoroça o brasileiro, que no fundo não se conforma com o calorão do patropi. Temos a nostalgia da lareira.
Afinal, não veio a neve. Veio o Magri. O Magri e a gripe têm algo em comum. Ambos dissílabos, ele acaba onde a gripe começa. E ainda tem uma homófona e quase homógrafa semelhança com a Magra. Convém esconjurar essa sinistra afinidade. A ideia de batizar a gripe vem de longe. Em 1918, tivemos a espanhola. Como ainda não havia antibióticos, morreu gente à beça. A literatura brasileira está juncada de cadáveres debitados à espanhola.
Dizia o Gilberto Amado que gripe é a versão moderna da peste negra da Idade Média. Por não ser médico, o Gilberto podia especular à vontade. Nada como a liberdade dos ignorantes. Da minha parte, compreendo o horror que ele tinha a gente gripada. Tinha medo do contágio até por telefone. Eu também tenho. Gripado como estou, não ligo para ninguém, até porque estou meio afônico. A sorte é que os telefones andam tão ruins que o contágio por essa via é quase impossível.
No Brasil não existe ciência exata. A meteorologia então é uma completa loucura. Há sempre margem para a palpitologia, que é muito criativa. Estamos cheios de achólogos. Ligue o rádio ou a televisão e você vai ouvir mil caras dizendo eu acho isto, eu acho aquilo. Até o Brasil, como está na história, foi um caso de achamento. Achologia é aqui mesmo conosco. Depois de dois dias de cama, estou colecionando receitas para a minha gripe. Fora o Sérgio Carneiro, que é médico, todos me prescreveram remédios que são tiro e queda.
Resultado: tive uma recidiva, que é uma recaída metida a besta. O pior é a doideira que deu na meteorologia. A noite toda soprou um vento quente e sujo, que no seu bojo trazia uma navalha gelada. Quisera o Magri sacudir as massas como esse vento sacudiu as janelas e as portas, assombrando a minha noite. Quem sabe é culpa do eclipse. No grego, ekleipsis é desmaio. E então: o Magri não desmaiou?