Eu nunca disse, minha amiga, que a barata é um feio privilégio do Brasil. É universal. Você sabe melhor do que eu que no verão Nova York fica literalmente entregue às baratas. Só que as de lá, do Hemisfério Norte, são miudinhas. Rápidas, campeãs olímpicas de corrida de fundo. No que você acende a luz, ziguezagueiam aflitas e escapam. Fizeram milenar estudo de balística. Não é qualquer vassourada ou patada que as derrota.
Neste sentido, louvemos o tamanhão família do nosso doméstico ortóptero. Ao contrário das doidivanas do Primeiro Mundo, está bem assentado onde quer que se encontre. Só sai do seu lúgubre escondedouro depois de cautelosa pesquisa. Manda cá fora um emissário, ou até um comando avançado. Suas sensíveis hastes captam no ar o perigo. Se arrosta risco, é porque não lhe sobra alternativa. Em qualquer de suas formas, Humânitas precisa comer.
Não chega a ser original, como você própria diz, o seu horror a barata. Também eu não morro de amores por essa fúnebre criatura. Tinha acabado de topar com uma, no topo da escada. Estacamos, ela e eu. Olhos nos olhos, juro, medimos nossas forças. As mãos ocupadas, reconheço que dei parte de fraco. Estremeci. Ela, firme, fazia um silêncio espesso. Cascudo mesmo. É possível que chiasse um fiozinho de ironia, antenas alertas.
Sim, retirou-se escada abaixo. Por duas vezes parou e olhou pra trás. Sem óculos, não pude ver se me acenava. Deixe estar, que ela volta. Estava na última lona, andrajosa. Até lá, fui à etimologia, como lhe disse. Peguei a palavra como se pegasse um inseto. Que fazer? É o meu ofício, minha amiga. Pelo dicionário do dr. frei Domingos Vieira, edição de 1871, vem do grego — blaptô. E quer dizer faço mal. O latim, blatta, deu brata. Engoliu um “a” e se fez barata.
A intercalação da vogal é uma modalidade de epêntese que se chama suarabácti. A exótica expressão é tomada à gramática hindu. Desenvolve-se por anaptixe. Recurso de poeta para acrescentar um pé ao verso. Poupo-lhe agora a descrição que acabo de ler. Dou o começo, que é inocente. Até poético, veja: loura, sem barriga, foge da luz e gosta de livros. Quem? Ela, exatamente. A suarabática visitante noturna. A esta altura, cá entre nós, o maior barato. Ou não?