Ontem reunimos o conselho familiar. Devemos ainda ter esperança? Firme, disse eu que sim. Não me conformo. Por um momento, vi nos olhos de todos aquela cintilação. Metade fé, metade alívio. Ninguém quer se sentir culpado. Claro que tem de voltar. A menina me perguntou se era palpite ou intuição. Se era intuição pra valer, que eu jurasse. Tenho tradição no ramo. Com a ajuda de santo Antônio, já achei bicho e coisa que até Deus duvida. 

Jurar, não juro. Questão de princípio. Mas quero crer que volte. Pode ser wishful thinking. Que seja. De repente, reaparece. Já apareceu duas vezes. Minha filha chamou-o ao jeito dela, gritou, modulou a voz com carinho – e ei-lo em pessoa. Espantadíssimo, coitado. Aproximou-se tímido, desconfiado. E lhe caiu nos braços. Guardou absoluto silêncio, como se temesse qualquer manifestação sonora. Graças a Deus, são e salvo.

Quando cheguei à noite, estava em cima do carro. Como estátua. Ameaçou fugir, os magoados olhos azuis, belíssimos. Depois identificou o amigo e chegou pra perto. O ambiente estranho o intimidava. Mais 24 ou 48 horas e se sentiria em casa. Iria na certa desarmar aquela atitude de suspeita. Não quis comer, nem beber. É assim mesmo, disse o especialista que consultamos. Será que some de novo? Expliquei ao conselho familiar o que é etologia. Citei Konrad Lorenz. A noção do território. Podíamos dormir em paz. 

Na manhã seguinte, pânico geral. Não adiantou chamar, nem gritar. O conselho se ampliou e cada qual tinha uma opinião. Uma única inaceitável. Crudelíssima: tinha sido apanhado e comido. Sim, senhor. Estão comendo muito gato neste Rio de Janeiro. Não é gato por lebre, não. Gato mesmo. Até siamês, como o Zano. Tão bonzinho, tão bonito – a hipótese é absurda. Verdadeira blasfêmia. Aos onze anos, não é bobo. Já conhece o novo endereço e volta. Claro que volta. 

Foi batizado Zeno, como o personagem de Ítalo Svevo. Na língua infantil, virou Zano, Zaném, Zaninho. Inteligentíssimo, elegantérrimo, a esta altura não vai sair por este mundo hostil afora. Virar riponga, essa não. Tem aqui afeto, calor humano. Comidinha e ração. O que quiser. A ansiedade aumenta à medida que passa o tempo. Já é o terceiro dia do sumiço. A rua tem uma cachorrada danada, mas e daí? Ele sabe se defender dos perigos desta vida. O fato é que aqui em casa não se toma conhecimento do novo ministério, nem do Brasil, enquanto o Zano não aparecer. 

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