A seca, 1959. Foto de Haruo Ohara/ Acervo Instituto Moreira Salles
Coisa singular, a tal da crônica, esse patinho feio da literatura. Ao contrário do que se passa com o romance, com a novela, com o conto, ela quase nunca resulta de um longo processo de elaboração. Nem poderia. É algo que precisa ser escrito, haja ou não assunto, e escrito para já, sob a pressão dos prazos de fechamento do jornal ou da revista. Embora em certos casos não fosse má ideia, não vale entregar à redação duas ou três laudas em branco. Dane-se a falta de condições ideais, dos largos períodos de maturação de que dispõe um ficcionista. Aquilo tem que sair, haja o que houver.
Pense nisso quando estiver lendo qualquer das pérolas, e são milhares, recolhidas neste Portal da Crônica Brasileira. Difícil imaginar que no mais das vezes tenham sido escritas no sufoco. Quase podemos ver Rubem Braga, por exemplo, o autodenominado Velho Braga, o maior de todos, bufando à máquina de escrever, enquanto ali ao lado se impacienta o moço que a redação encarregou de recolher em domicílio aquele palmo de prosa para a qual, não menos urgente, há um espaço aberto na edição de amanhã.
No dia seguinte, sem os rabiscos, sem as emendas apressadas que o autor teve ainda tempo de fazer no seu original, antes de passá-la às mãos do estafeta, lá estará a crônica, não raro espremida entre anúncios ou noticiário cuja data de validade haverá de caducar em poucas horas. Perdida nessa vizinhança prosaica e efêmera, lá estará o que foi escrito às pressas, de olho no relógio, e que ainda assim, por se tratar de arte, atravessará os tempos, sem uma ruga, capaz de seguir falando a leitores que ainda nem sequer nasceram.