Conselhos de Drummond

Carlos Drummond de Andrade, 23/10/1982. Foto de Rogério Reis/ Arquivo familiar de CDA.

Neste Dia D, quando comemoramos o nascimento de Carlos Drummond de Andrade (e, não por acaso, o Dia Nacional da Poesia), o Portal da Crônica Brasileira rememora uma coluna do poeta de 1953 cheia de conselhos A um jovem escritor, na esperança de alcançar jovens escritores também de 2023.

Certa noite, um rapazote de nome Alípio visitou o apartamento de Drummond “em busca de sabedoria grega”. Amparados por uma garrafa de conhaque e sob a vigilância do gato preto Crispim, mestre e aprendiz tiveram uma longa conversa sobre os ofícios da escrita. E como cronista não desperdiça assunto, o papo foi parar no Correio da Manhã já no dia seguinte, estruturado em uma sequência de deliciosos apontamentos.

Mas, para não iludir outros aspirantes, nosso homenageado prefere avisar logo de cara: “não vale a pena praticar a literatura”. Dito isso, se você for como eles, Drummond e Alípio, nascidos sem vocação “para os negócios nem para a política nem para o mister guerreiro”, se só lhe restar a contemplação das nuvens e o cultivo do “real ilusório”, então escrever pode mesmo ser um caminho, ainda que com algumas pedras no meio.

Não sendo possível transcrever todos os 31 conselhos do cronista, aqui vai uma amostra pequena da sabedoria de Drummond, à época com mais de 20 anos de labuta literária:

“Só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo”, e, verdade seja dita, sempre se pode deixar. Se for inevitável, não queira “arrombar as portas do mistério do mundo” com a sua escrita. Não arrombará nada: “os melhores escritores conseguem apenas reforçá-lo”. Diante da mesma porta, alguns anos antes, o poeta já tinha sido inquirido pelas mil faces secretas das palavras que quiseram saber, sem interesse pela resposta: “Trouxeste a chave?”.

“Se ficar indeciso entre dois adjetivos, jogue fora ambos, e use o substantivo”, sugeriu. Em 1980, em uma das raríssimas entrevistas longas que concedeu, extraordinária a ponto de fazer com que a revista Veja aumentasse suas tradicionais três páginas amarelas para quatro, Drummond questionou um adjetivo que julgou equivocado na pergunta de Zuenir Ventura. O jornalista ia dizendo “Como o maior poeta da língua portuguesa…” quando foi interrompido: “Você já mediu?”.

Mas voltemos às recomendações. Conselhos mais óbvios, como ler muito e anotar as ideias repentinas, são acrescidos de um complemento inesperado: “esqueça o mais que puder”, pois “o acaso é mau conselheiro”. Ao escritor, é certo, não convém crer na originalidade. “Mas não vá acreditar tampouco na banalidade, que é a originalidade de todo mundo”, concluiu.

Se alguém disser que seu livro novo é melhor que o anterior, “quer dizer que o anterior não era bom”. Mas se disserem o contrário, “pode ser que falem a verdade”, simplesmente.

A busca pelo assunto ideal assombra todo artista e, no geral, não se deve ceder a conclusões rápidas. Se você ama sua infância, por exemplo, e quer escrever sobre ela a todo custo, lembre-se que “seus companheiros de infância aí estão, e têm opinião diversa”.

“Procure fazer com que seu talento não melindre o de seus companheiros. Todos têm direito à presunção da genialidade exclusiva” – por isso, não vale a pena cumprimentar com humildade o escritor glorioso, nem com soberba o escritor obscuro. “Às vezes nenhum deles vale nada”, e o melhor é ser gentil com o próximo, “ainda que se trate de um escritor”.

Drummond também sugere evitar a disputa de prêmios literários. “O pior que pode acontecer é você ganhá-los”, quase sempre pelas mãos de “juízes que o seu senso crítico jamais premiaria”. Pode ser que sua opinião sobre eles mude com o tempo, e pode ser que não – uma opinião duradoura é aquela “que se mantém válida por três meses”. Não se pode exigir maior coerência dos outros, muito menos cobrar de si mesmo tamanho comprometimento intelectual. O recomendável é sempre proceder “à revisão periódica de suas admirações”.

Minta com precaução, de preferência apenas “nos casos indicados pela polidez e pela misericórdia”. A arte da mentira exige grande refinamento, e o mais provável é que você seja apanhado daqui a dez anos, se ficar famoso. Se não ficar, não terá valido a pena mentir.

Quanto à vaidade, convém ficar de olho nas formas sutis que ela assume, chegando a confundir-se com modéstia. Vale o teste: “proceda conscientemente como vaidoso, e verá como se sente à vontade”. Portanto, deixe-se fotografar sempre, e nunca recuse um autógrafo – “Homero não deixou cartas nem retratos, mas Baudelaire deixou uns e outros”. Mas “o essencial”, lembre-se, “se passa com outros papéis”. Esses, sim, esses ficarão.

Para a desaprovação plena do aniversariante, sempre esquivo a alardes e homenagens, não poderíamos deixar de acrescentar um pequeno conselho à lista: leia Drummond sem erro, em prosa, verso, tudo, hoje e sempre.