Avenida São João, esquina com rua Líbero Badaró, Centro, São Paulo-SP, 1940 circa. Foto de Hildegard Rosenthal/ Acervo Instituto Moreira Salles.
O amor acaba, você sabe. Provavelmente já leu isso naquela primorosa crônica de Paulo Mendes Campos. Mas como de tudo fica um pouco, o amor costuma deixar uma porção de coisas para trás, soltas no ar ou entocadas nos peitos dos ex-amantes. E às vezes tudo isso toma forma de novo quando acontece um reencontro, tempos depois.
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“Procurava não estar nos lugares onde ela pudesse aparecer”, escreveu Carlinhos Oliveira, por saber que seria “impossível recomeçar aquela bela aventura”. Um dia, porém, o acaso os reuniu. Ali estava ela. Ele a olhou e, para sua surpresa, sentiu indiferença. Ela já não era a mesma. Ele também não era mais aquele rapaz apaixonado da juventude. Agora, era “um homem sólido, sem luz, maduro e atento”. Juntos, viveram “a mais bela época” de suas vidas. Formavam um casal tão harmonioso que passavam “horas e horas examinando os modelos de Marie Claire e Elle”. E para aquele aspirante a escritor, imaginar a amada dentro daqueles vestidos e corpetes era tão importante quanto ler os grandes clássicos da literatura.
Depois, veio a separação doída, e cada um tomou seu rumo. Pouco depois, teve o desprazer de vê-la ao lado de outro homem. De longe, viu a orelha do sujeito se eriçar com uma carícia que certamente não lhe pertencia. O cronista não ouviu o que ela disse, mas teve a sensação de que aquelas palavras, aqueles gestos, todos deveriam ainda ser dele, de algum modo. Mais um tempo se passou até esse segundo reencontro. Ela, já sem o brilho do amor em seus olhos. Ele, sem aquela chama que queimava em seu coração. Dois estranhos, que conversaram com naturalidade e se despediram cordialmente.
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Nem sempre topar com o ex-amor deixa um gosto ruim na boca. O Encontro de Rubem Braga, por exemplo, tem outro sabor. A premissa é a mesma: o homem vê a mulher por acaso, num evento social. Com alguma atenção, não seria difícil para ele descobrir pequenas mudanças na amada que não via há muito tempo: “cabelos mais claros e, entretanto, com menos luz e vida”, “a boca pintada com um desenho diferente” de um batom mais escuro, e uma tênue e fina ruga, “quase estimável”. Mas não eram essas pequenas coisas que intrigavam o “olhar afetuoso e melancólico” do sujeito. Havia alguma “mudança imponderável, e difícil de localizar”. Ela estava mais elegante, “mais precisa em seu desenho”, mas perdera “alguma indizível graça elástica” de quando não precisava fazer regimes e era “menos consciente de seu próprio corpo”.
Por um instante, enquanto ela conversava com outras pessoas ao redor, ele tentou imaginar que impressão teria se a visse agora pela primeira vez, caso não carregasse dentro de si tantas memórias dela “fundida a tantas outras imagens”. Com certeza a acharia bonita, pois continuava mesmo bela. Como da primeira vez, sua beleza seria “um choque, uma bênção e um leve pânico”. Era ainda dona de uma “radiosa formosura” que dava vida e sentido novo a qualquer ambiente, numa “vibração especial que só certas mulheres realmente belas produzem”. Mas de nada valiam essas conjecturas, pois o tempo, implacável, faria com que o deslumbramento fosse diferente do primeiro.
Na hora de se despedir, quando ele “estendeu a mão àquela que tanto amara”, recebeu “seu olhar claro e amigo, quase carinhoso”, como antigamente. E sentiu uma coisa boa no peito: a “certeza de que nem tudo se perde na confusão da vida”, e que uma vaga “mas invencível ternura é o prêmio dos que muito souberam amar”.
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O encontro melancólico retratado por Antônio Maria começa diferente. A reunião dos ex-amantes não foi ideia do acaso, mas deles mesmos. Sentaram-se os dois “já arrependidos de terem marcado o encontro”. Sem coragem de perguntar o porquê daquilo, sem coragem de desfazer logo aquela ideia absurda e ir cada um pra sua casa, foram ficando. Ele perguntou se ela queria beber algo. Ela respondeu um “nada” de “quem anseia abreviar a angústia de estarem juntos”. Que saudade os trouxera ali? Nenhuma. “Vieram, simplesmente, porque um gostaria de saber, no coração do outro, o tamanho da falta que estava fazendo.” A vaidade das gentes sempre as leva a pensar que, “de um modo ou de outro, marcaram, para sempre, a pessoa amada”. É a tola pretensão de ser inesquecível, “na carne ou na alma de quem se amou”. Mas o mundo renova tudo – ou, quando não renova, envelhece, “enchendo-nos a vida de quatro ou cinco belezas novas” ou mesmo de uma dor que ocupa todo o espaço.
Sentados um diante do outro, fumavam e perguntavam frivolidades, do tipo “como vai sua irmã?”. Beberam cervejas amargas, porque amargo era o gosto que traziam na boca, e se olharam bem nos olhos. “Um olhar sem enlevo, sem mensagem, sem mágoa.” Depois de tanto amor, de tanta tragédia compartilhada, agora se miravam como se fossem dois parentes. Nem sequer se odiavam. “Riram-se, cada um de si mesmo e os dois da vida.” Não havia nada a dizer, porque já sabiam de tudo. Levantaram-se então, “deram-se as mãos nas pontas dos dedos, foram caminhando e largando-se aos poucos”, até que ele correu para tomar um táxi que passava. Do carro, ainda gritou um adeus que ela não ouviu, porque tinha entrado numa loja. “E, dali por diante, nada os uniu ou mesmo separou, no ar, nas pedras e na música da cidade.”