Passeio por essas igrejas de Sabará sem prestar grande atenção ao amigo que me poderia servir de aula. Apenas reparo ele dizer que os dois púlpitos dessa igreja imensa são do Aleijadinho. E me espanto com a variedade de talento desse mulato. Esses painéis esculpidos em madeira são bem diferentes de outros trabalhos seus, e alguns desses são de uma grande sabedoria de composição. Em um espaço pequeno ele “contou” o que queria com bastante força, e ainda deu a impressão de haver sobrado muito espaço.
Afastado de Minas, há muito tempo não via, a não ser em fotografia, qualquer coisa do Aleijadinho; bastariam esses dois púlpitos para lhe dar fama de artista imaginoso e sério, de grande artista. As imagens dos altares, estáticas e frias, também são dele, mas poderiam ser feitas por qualquer santeiro razoável de sua época; não têm aquela crispação, aquela angústia barroca de outras imagens suas.
Vamos agora a uma igreja mais antiga, cheia de santos portugueses, e aqui dentro tudo é uma alegria em branco e ouro. Fritz me mostra que antigamente o que é branco era vermelho, a não ser um teto. Mas assim como está a igreja é bela, com uma alegria ingênua nos seus púlpitos abertos e leves, uma alegria de banda de música tocando em festa naval. Por que festa naval? Não há azul, mas tá uma impressão de azul nessa limpeza, parece uma igreja feita apenas para crianças, lembrando imenso bolo de aniversário com velas acesas, domingo de sol, pureza, navio branco de manhã.
Depois visitamos uma capelinha muito antiga que com certeza foi decorada por um chinês, um desses chineses que os lusitanos traziam da Ásia, e que faz Cristo e os santos com olhos americanos.
No dia seguinte vou visitar a igrejinha de Oscar Niemeyer e Portinari na Pampulha. Sim, é, vista de frente ela pode parecer um hangar, aliás um hangar esquisito; mas que felicidade nessas linhas, que beleza neste painel de azulejos com peixes e pássaros coalhando mar e céu, que expressão nessa via-crúcis e na grande pintura do fundo.
Raramente, um arquiteto e um pintor terão trabalhado tão bem juntos, talvez porque esse arquiteto seja antes de tudo um artista plástico. Os baixos relevos de Ceschiatti, e os jardins agora rebentando em flores lá fora, e as grandes mangueiras ao fundo, e a lagoa na frente, tudo faz da Igreja Pampulha, na verdade uma das mais lindas coisas que se pode ver no Brasil. Essa igreja sim (e não esses falsos góticos horrendos em cimento que vemos brotar pelas cidades enriquecidas do interior), essa igreja sim merecia ser plantada numa terra que deu tão belas igrejas barrocas e que deu um Aleijadinho.