A história é verdadeira; e nisso é que reside o seu caráter fantástico. Um amigo meu ia passando pela praça Quinze, quando um negrinho de uns dez anos de idade lhe estendeu a mão:
― Moço, me dá quinhentos réis para tomar uma sopa?
― Tomar uma sopa?
― É sim senhor.
Meu amigo olhou para o moleque com um ar irônico, mas o moleque estava sério e continuou sério.
― Eu dou dez tões, mas quero ver você tomar essa sopa.
Meu amigo é desses sujeitos desagradáveis que acredita que na verdade quem dá aos pobres empresta a Deus ― mas quer saber o que é que Deus faz com o dinheiro emprestado.
― Eu vou tomar ali, moço ― e o garoto apontou o dedinho sujo para os lados da rua S. José.
― Então quero ver.
― Uai…
O moleque saiu andando; como ia na mesma direção, o homem foi atrás dele. Olhando a cabecinha do menino, e suas perninhas magras, sua roupa esmolambada, o homem pensava que afinal de contas muita gente faz muito discurso e promete isso e aquilo, e sai revolução e sai decreto e não sei mais o que ― e no fim a gente esbarra todo dia com o espetáculo monotonamente doloroso da miséria. Que saúde podia ter aquela criança, que ambiente de família, que educação, que diabo de crença ou de fé? A cara séria com que ele pregava a sua extravagante mentira ― quinhentos réis para tomar uma sopa ― mostrava a criatura precocemente viciada. Talvez, naquela idade, já começasse a tomar sua cachaça. Ou podia querer o dinheiro para qualquer coisa mais inocente, um refresco ordinário; mas sentia necessidade de falar em sopa, de sugerir fome. Meu amigo pensou no seu próprio filho, que ele procura cercar de todo conforto, e assim mesmo ainda vai crescendo com tantos problemas ― e, teve uma grande pena daquele negrinho miserável que ia andando depressa com suas perninhas magras pela calçada onde quase roçavam imensos automóveis reluzentes.
― É aqui, moço!
Surpreso, meu amigo parou ― e entrou com o menino em um desses becos sórdidos da rua S. José, que o novo traçado das ruas vai aos poucos eliminando. O moleque entrou em um “frege” sombrio, metido entre uma casa em demolição e uma quitanda; sentou-se, botou a moeda em cima da mesa e bateu com a mãozinha, com decisão e alegria:
― Uma sopa!
E a sopa, a inacreditável sopa que, depois de tantos anos de inflação, custa 50 centavos, veio quente, amarelada, imensa, em um prato encardido e desbeiçado. Sopa de quê? A pergunta não se faz: uma sopa por 50 centavos e ainda se quer saber de quê? Era uma sopa verdadeira, no fim de uma história verdadeira, embora sem graça, nem moral. A não ser este comentário que um português gordo que ali estava fez, olhando o menino e piscando o olho para o meu amigo:
― Anda depressa, oh garoto. Essa sopa vai acabar!