Mas não senhor, não exijo um palacete para morar, não penso sequer em uma casinha com um quintal onde coubessem ― suponhamos ― um mamoeiro e um cajueiro. O senhor que é corretor, que vive disso, de vender casas e terrenos, o senhor conhece as terras de Copacabana? Pois saiba que são excelentes terras para o cultivo do cajueiro, uma vez que essa árvore é nativa desta faixa arenosa entre a montanha e o mar. Todos os cronistas antigos dizem isso; hoje todos os cajueiros foram derrubados (dizem que existe ainda um sobrevivente, escondido no fundo de um quintal, entre uma casa e dois prédios, na rua Barata Ribeiro, mas eu nunca vi) e substituídos por uma plantação de cimento.

Está bem, eu viverei em um desses cubículos de cimento. Não, mas térreo não me serve não. Não é que eu não ame a terra, é que o térreo não tem terra, só tem cimento e pedra, e os moradores de cima jogam em nosso minúsculo pátio suas baganas, suas cascas de laranja e suas tristezas. Olhe que não faço questão de edifício com um apartamento por andar, não, eu não sou, digamos assim, muito seletivo, e moraria com prazer em um treme-treme ou em um sing-sing, ou em qualquer dessas espantosas cabeças de porco de cimento armado que em dois anos envelhecem mais do que uma casa colonial em duzentos. Mas, por favor, não quero que a minha janela dê para uma parede, nem para outra janela. Não senhor, não me entrego a vícios secretos, posso perfeitamente viver às claras e estou disposto a permitir que se proceda a uma devassa completa em minha existência, para provar que ela não é nada devassa; mas também não quero ser devassado a todo o instante pelo olho do vizinho e, sobretudo, não quero devassar o vizinho, não quero vê-lo num cubículo igual ao meu, fazendo os mesmos gestos e dando os mesmos passos, muito possivelmente pensando a mesma coisa, por exemplo: “aquele idiota ali defronte ainda está de pijama”.

Não ouso exigir uma janela dando para o mar, onde meus olhos e meus sonhos navegassem além. Ah, senhor corretor, eu sou muito pobre, eu não mereço o mar, nem sequer a montanha com arvoredo, quaresmeiras arroxeando, embaúbas de prata ― eu não mereço não. Me arranje uma janela que dê para um canto qualquer, um pedaço de rua, mas por favor uma janela alta de onde eu possa ver pelo menos um pedaço de céu. O senhor sabe que eu disponho de muito dinheiro, mas, senhor corretor, vamos entrar num acordo, eu dispenso a cozinha, aceito a quitinete, aceito esse negócio de quarto e sala conjugados ― mas, por favor, me arranje mais alguns metros quadrados de céu, que nas tardes de verão eu possa mobiliar com nuvens ― duas, três nuvens flutuando no azul, duas, três nuvens em que eu possa plantar, senhor corretor, um pé de fruta-pão, pendurar uma rede nas mangueiras do sonho, erguer um bambual oscilante ou fazer esvoaçar, senhor corretor, a doce, a branca imagem daquela mulher que nunca, nunca, nunca me visitará.

rubem-braga
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