Meti-me outro dia, por um impulso de boa vontade paternal, a recordar a matemática de meu tempo de ginásio. Não demorou muito que o rapaz que eu pretendia ajudar fizesse sentir, com relativa delicadeza, que dispensava meu auxílio. Retirei-me com alívio daquele mundo desconhecido. Desconhecido ou apenas esquecido? Não, não me lembra absolutamente de ter contado os grados de um ângulo; em meu tempo qualquer ângulo tinha apenas graus — e juro que, em toda minha existência, nunca ouvira falar em “radiano”. Há novidades na matemática ginasial ou apenas os programas de hoje são mais complicados?

No meu tempo eu achava todo o programa secundário complicadíssimo; não sei explicar, a não ser por sistemática e absurda tolerância dos examinadores, como consegui ir até o fim com apenas dois exames em segunda época. E que ficou de toda aquela assombrosa montoeira de noções que os pacientes professores tentaram meter na minha cabeça? Do latim apenas o singular do qui-quae-quoe, façanha de memória que não sei que influência terá tido em meus destinos. E de cada matéria alguma coisa assim, algum detalhe absurdo perdido no meio de uma espessa e tranquila ignorância geral. O pouco que aprendi depois foi à custa de topadas que andei dando pela vida; e como essa vida não tem sido muito organizada, acontece que só acabo de aprender uma coisa quando não preciso mais sabê-la. O remédio então é tratar de esquecê-la, o que, felizmente, consigo com facilidade. Se tiver uma vida longa, hei de morrer em um tal estado de inocência que o Senhor, embaraçado, acabará me mandando para o limbo.

Novas levas de moços continuam, entretanto, a enfrentar o ginásio. De vez em quando ficamos sabendo, através do resultado de algum concurso para algum instituto superior mais rigoroso, que a grande maioria desses moços chega ao fim em lamentável estado de ignorância. Fala-se na decadência do ensino; fala-se não sei porque, visto que ele nunca foi melhor. Exige-se maior severidade por parte dos professores secundários, o que acho má ideia. Pela minha triste experiência o que haveria a fazer seria limitar o número de coisas a ensinar no ginásio; para que, suponhamos, martirizar esses meninos anos a fio com o latim, que eles jamais aprenderão? Latim é língua de padre e, por tanto, estudo de seminarista; fora disso só serve para brilharecos já fora de uso tanto no foro como na imprensa. Deixemo-lo para os que pretendem estudar as letras antigas. O resultado desse amontoado de exigências é que a maioria dos alunos do último ano é simplesmente incapaz de redigir um bilhete em português sem três ou quatro erros dos mais vulgares.

É em nome de um antigo mau aluno que, entretanto, sempre foi um bom rapaz, que escrevo este apelo. Não pretendamos pelo menos na primeira parte do curso secundário, que se enfrenta na mais perturbadora das idades que os rapazes e as moças aprendam tanta coisa. Simplifiquemos e amenizemos seus enciclopédicos programas. Eles ficarão menos ignorantes tentando aprender menos.

rubem-braga
x
- +