Estou convencido que nessa coisa de pintura a gente de vez em quando deve ficar uns tempos sem ver nada. E então um dia ir ver um salão — mas ir assim depois do almoço, sozinho, como quem vai matar meia hora antes de ir para o escritório — sem compromisso nenhum com os olhos inocentes, distraídos. E sem querer saber quem fez este ou aquele quadro, nem se preocupar mentalmente em situar a escola ou a influência: ver com os olhos e deixar que através dos olhos o sentimento da gente vagabundeie. Fiz isso hoje, visitando o primeiro Salão de Arte Moderna, no alto daquela escada do Ministério da Educação. E tendo feito como quem faz um passeio vadio, sem catálogo (mesmo porque não havia) é que trago para aqui estas impressões gratuitas e que irão aparecendo ao bater da máquina.
A primeira será esta: a de que poucos pintores nossos parecem ter prazer em pintar, esse prazer que deve consistir na pessoa pegar o pincel e começar a fazer, com vagar ou carinho, uma coisa que vê ou sonha. Alguns têm o ar de quem se propõe um problema, e o resolve mais ou menos aborrecido, outros pintam como se quisessem fazer “à maneira” de tal ou qual mestre; um não está pintando, está fazendo estudo de cores. Em muitos desses quadros falta alegria, falta tristeza que derivem do assunto: o próprio quadro é neutro, sem graça e sem fé. Parece nascido do tédio e se destina a inspirar apenas indiferença.
De todo esse passeio reparo agora que não trouxe nos olhos uma só visão de beleza feminina; apenas me lembro de duas cabeças de mulher (uma parece que é de menina) em um quadro de Maria Leontina, talvez porque pareçam gente de uma família de minha terra. Outras coisas que me comoveram: as pernas de um menino de Portinari, e areia e mar de um quadro de Pancetti. Aliás há um outro quadro de praia, também feito na Bahia, que é muito mais triste do que Pancetti, e não é tão bem pintado, mas igualmente me comoveu. Lembro-me de uns desenhos grandes, que achei simples, mas bons: um deles, entretanto, tinha um pé que não estava certo. Lembro-me de como achei ruim um quadro de jogadores de futebol assinando um apelo de paz: as coxas dos jogadores estão grossas demais, de um expressionismo barato e desagradável.
Gostei de paisagens urbanas com muitos telhados feitas por um japonês. Mas por que todo retrato moderno tem de apresentar a pessoa de frente, parada? Dá saudade dos retratos românticos, ou de alguns de Degas e Toulouse Lautrec; hoje os retratos são como na Renascença, sem a mesma graça.
Minha impressão geral é de pobreza, mas aqui e ali há uma gravura boa, um quadro abstrato do qual a gente guarda apenas a lembrança de um colorido agradável, um céu, um mar, uns tinhorões... O que já é alguma coisa.