Minha amiga.

Soube, outro dia, com tristeza, que você está doente. E nesta manhã de sol claro e ondas fortes tenho quase remorso em me sentir tão sólido e sadio diante do mar azul e pensar em você, em um escuro apartamento dessa Paris friorenta.

Não me lembro dessa rua em que você agora está morando, mas imagino uma ruazinha estreita do Quartier Latin com um ou dois bistrôs, um açougue em que a carne de vaca é enfeitada com rosas de papel, uma casinha de antiguidades, uma pequena livraria, uma venda de vinho e carvão, um hotel povoado de bolsistas africanos e outro de estudantes suecos.

Imagino uma entrada escura, uma concierge de cabelos brancos presos ao alto da cabeça, um pequeno elevador de duas portas oscilantes que sobe, com um gemido quase humano, até um corredor triste — e, dentro do apartamento, você com um capote preto, meio pálida, uma descuidada mecha de cabelos caindo pela testa. E quase ouço a sua voz grave com esse francês saboroso de menina nascida e criada em Saint-Germain-des-Prés falando de seu boulot ou me convidando a sentar, bouffer alguma coisa. Nevou pela manhã, agora, neste começo de tarde a rua é nervosa e triste com gente apressada nas calçadas estreitas e um ou outro velho táxi roncando e fazendo espirrar lama; o dia é curto, já se faz escuro, está um pouco menos frio, mas tudo muito úmido. E você estará triste, desanimada, na cama, olhando o papel da parede como se nele quisesse descobrir as linhas de seu futuro, neste momento vazio e ruim de sua vida.

Não sei que lembrança você terá deste vago brasileiro, mas tenho a ilusão de pensar que lhe fará bem saber que muito, muito longe, além do mar, há um homem que esta manhã, na praia de espumas brilhantes, pensou em você, e pensou com ternura, e lembrou com saudade o seu riso claro e sua mecha de cabelos castanhos. Este homem é inútil e não pode lhe mandar nem um pouco deste sol para aquecer o seu corpo, nem um pouco deste vento sadio e limpo do mar para lavar o seu pulmão que respira esse ar confinado que o chauffage resseca e a fumaça de cigarro vicia.

Mas guarde esta notícia, minha amiga: o mundo não é tão escuro e feio e frio como lhe parece neste momento; fique bem quieta e paciente, num canto da cama, ouvindo as músicas de rádio, e sabendo que logo haverá também, para você, dias de sol, cálidos e alegres, com espumas brilhando e lá atrás, além da praia, cigarras nas árvores a cantar. Daqui eu lhe mando esse canto, e o dos pássaros que esvoaçam entre os telhados e as amendoeiras. É um canto de ternura e de esperança sobre o grave marulho de minha praia — desta praia longe, longe, onde há um homem pensando, com muito afeto, em você.

E se você se erguer da cama e chegar lentamente até a janela para ver lá fora, pela vidraça embaçada, a rua escura e triste, e voltar ainda mais triste para a cama, pense nesta noticia à toa que eu lhe mando, e é tudo o que lhe posso mandar: ainda há sol, ainda há mar, e vento de mar.

rubem-braga
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